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sexta-feira, 26 de outubro de 2007

A cidade começa a ter apenas muros - Entrevista da Dra. Raquel Rolnik sobre loteamentos fechados.

Hoje há opções de moradia em loteamentos fechados vizinhos a São Paulo para todas as faixas de renda. Como você avalia esse movimento?
RR - São situações formuladas e pensadas pelo mercado de alta renda que se transformaram em produtos almejados por todas as demais classes sociais, como um sinal de vitória social. Assim, hoje tem loteamento fechado também para classe média, mas com uma infra-estrutura urbana – e, portanto, uma qualidade – muito reduzida. Isso é resultado de um fenômeno de marketing que transforma a escalada da violência, que é outro fenômeno dos centros urbanos, em argumento de venda. Isso tudo faz parte da cultura urbana da violência e do pânico que leva os cidadãos a se trancarem.
Na sua opinião, eles são ou não mais seguros?
RR - Não existe uma única estatística que mostre isso. Há pouca conexão com a imagem mística criada pelas campanhas promocionais e a realidade. A segurança é apenas um argumento de venda. Tem muito condomínio invadido, tem arrastão e tem os pequenos roubos.
Do ponto de vista urbanístico, que impactos geram os loteamentos?
RR - Há vários impactos. O ambiental em primeiro lugar, na medida em que leva a um espraiamento da mancha urbana e a um aumento da dependência do carro particular, como meio de transporte, já que o baixo adensamento populacional inviabiliza o uso do transporte coletivo, além da forte pressão sobre áreas de conservação. A forma urbana que vem junto com o loteamento é um espaço fragmentado e conectado à malha urbana central por uma rede viária de alta velocidade, como é o Rodoanel e as rodovias Bandeirantes, Anhanguera e Castelo Branco. Queima mais gasolina e consequentemente cresce a emissão de gases do efeito estufa, com um forte impacto no aquecimento global. Começam a aparecer os primeiros dados científicos mostrando a relação entre o espraiamento urbano, um fenômeno conhecido como urban sprawl, e o efeito estufa.
O fato de os loteamentos não precisarem de verbas públicas para custos de instalação de infra-estrutura, e os moradores continuarem pagando IPTU, não é positivo para as cidades?
RR - Não é bem assim. O aumento da mancha urbana aumenta a pressão a administração pública, que tem de levar infra-estrutura urbana para locais cada vez mais distantes. A redução de custo é pontual, na área ocupada pelo loteamento. Mas tem todo o caminho para levar a infra-estrutura até lá. A conta é sempre cara, não importa em qual município. Além disso, há a fragmentação da cidade: cada loteamento ou condomínio fecha um perímetro da cidade, que não penetra nele. A cidade começa a ter apenas muros. Andamos quilômetros ao lado de muros, sem possibilidade de atravessar o espaço. É assim na região de Campinas, em Valinhos e Vinhedo, por exemplo. Alem do impacto sócio-político. No fundo, é um grupo se retirando da cidade, da vida pública e constituindo um espaço apenas para si. São comunidades homogêneas do ponto de vista cultural e social, que geram uma vivência empobrecida.
Esse modelo de comunidade surgiu há mais de 30 anos, portanto há uma geração criada nesses espaços. Como é essa geração?
RR - É completamente perdida. Não conhece nada, não viu nada, não sabe de nada do mundo real, fora dos muros do loteamento. Por que as cidades sempre a fonte de criação da humanidade? Porque era o lugar da heterogeneidade. A criação acontece quando os diferentes se encontram. Quem se fecha em condomínios assim, onde todos são mais ou menos iguais, acaba com uma vivência muito limitada. Ficam com medo do que está fora e isso reduziu ainda o contato no limite. Promovem a falência da vida urbana, da vida pública.
Mas quem opta pelos condomínios se diz insatisfeito justamente com a falência dos grandes centros, com a impossibilidade de se organizar e manter o espaço público?
RR - Se a cidade não está boa, temos que lutar para que fique boa. Não se retirar do espaço público.
Você, então, descarta os loteamentos fechados como uma possibilidade de organização urbana?
RR - Não adianta dizer ‘não’. Os bairros fechados já são uma realidade e se não admitirmos e regularmos esta nova forma vai continuar tordo igual, isto é, tudo ilegal. É importante regular, porque com isso se discute o efeito desse movimento na cidade e em que condições pode ser feito. E isso está ocorrendo no processo de revisão da Lei Federal de parcelamento. Dada a total irregularidade dos loteamentos fechados. Por definição, as áreas comuns são públicas e portanto não podem ser privatizadas. As concessões dadas pelas prefeituras são irregulares – a discussão acabou indo para o Congresso, que está fazendo uma revisão da lei de uso e parcelamento do solo. Em várias cidades, o Ministério Público mandou abrir loteamentos fechados. É importante coibir empreendimentos que impeçam o livre acesso. E criar uma nova modalidade de agrupamento urbano, que atenda ao público dos loteamentos, mas que considere e regule melhor seus impactos.
O que está gerando muita polêmica em um mercado altamente aquecido...
RR - Um bom momento do mercado, mas um momento delicado para as cidades. É muito bom ter financiamento para a produção imobiliária, acho extremamente positivo o movimento de capitalização das construtoras, que está viabilizando novo lançamento. É ótimo e essencial. O problema todo é ver que cidade estamos construindo e que instrumentos as cidade têm para garantir que o boom imobiliário vai gerar cidades justas, equilibradas e belas para todos
(Entrevista pulicada no suplemento especial Viver em São Paulo, publicado pelo O Estado de São Paulo, em 19 de outubro de 2007)