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domingo, 27 de setembro de 2009

O sapateiro e o torneiro

Arnaldo Luiz Corrêa

Apeles era um pintor grego, considerado um dos mais importantes pintores da Antiguidade. Diz a lenda que Apeles tinha o hábito de expor seus quadros ao público e se escondia para ouvir os comentários que faziam. Certo dia expôs uma bela figura feminina. A modista da aldeia observou o quadro e comentou sobre o vestido. Em seguida, veio o cabeleireiro, que também fez observações. Por último veio o sapateiro que ficou estupefato com a pintura, mas disse que colocaria uma fivela no sapato.
Apeles, que anotava tudo, embrulhou o quadro e o levou para fazer os retoques. No dia seguinte, voltou a expor o quadro. A modista e o cabeleireiro ao verem a pintura ficaram maravilhados. Quando o sapateiro chegou, ao olhar o quadro, comentou: “Os sapatos ficaram ótimos, mas o vestido...” Ao ouvir o comentário, Apeles ficou enfurecido e interrompendo o sapateiro, gritou: “Não vás além dos sapatos”, que originou a máxima latina “Ne sutor ultra crepidam judicaret” (Não deve o sapateiro julgar além da sandália), o que nos alerta sobre a necessidade da consciência que devemos ter sobre os nossos limites.
No Brasil de hoje, temos a falta de um Apeles para dizer ao Presidente da República algo semelhante. Lula arvora-se em dar palpites sobre coisas que não tem o mínimo conhecimento técnico ou acadêmico e o faz, muitas vezes, menosprezando as pessoas que trabalham a vida inteira se dedicando a determinado campo. Dá um péssimo exemplo quando diz que tem ojeriza a leitura, mas se acha acima do bem e do mal em opinar sobre tudo sem pudores nem humildade. Dá palpites inconsequentes sobre tudo, jogando frases de efeito para a torcida de ignaros que o seguem com o beneplácito de uma parte da imprensa oficial. Faz brincadeiras com outros povos, imiscui-se na cultura alheia com piadinhas de duvidoso gosto como procedeu recentemente com o povo turco. Enfim, uma sucessão de descalabros.
Recentemente, em viagem pela Turquia, e uma vez mais inflado pela infinita necessidade de holofotes, teve o despautério de chamar de trambiqueiros aqueles empresários e executivos que usaram o mercado de derivativos para se proteger contra variações negativas de preços ou moedas, que podiam afetar o resultado das empresas.
Trambiqueiro, segundo o Houaiss, é o sujeito que dá trambiques (negócio ilegal, fraudulento), golpista, vigarista. Portanto, sua Excelência Excelentíssima diz com todas as letras que os empresários “deste país”, que utilizam os mercados futuros e de opções, são vigaristas e golpistas. Certamente não deve ser essa a opinião que ele tem, por exemplo, dos deputados e senadores que os apoia, e que com tantos “bons exemplos” de retidão,bom uso do dinheiro público e honestidade, têm presenteado o Brasil.
O que Lula desconhece é que muitos produtores operam com opções (um derivativo) fornecidas por bancos oficiais para se proteger contra variações de preços que podem comprometer a rentabilidade de sua safra de soja, café, açúcar, etc. Serão esses produtores trambiqueiros? Muitas instituições financeiras fornecem empréstimos de longo prazo usando os derivativos como colateral para evitar que a eventual baixa rentabilidade do produto agrícola coloque em xeque a saúde da empresa financiada. São todos esses trambiqueiros?
O que dizer dos importadores e exportadores que precisam travar a margem de suas operações agrícolas e usam o mercado futuro de câmbio para se proteger contra um espasmo do dólar? A imensa maioria das empresas que operam nos mercados de derivativos não o faz com o intuito de trambicagem, como sugere o ex-torneiro mecânico, exímio conhecedor de finanças, matemática financeira, um homem letrado e experiente na vida corporativa, mas com o objetivo de garantir rentabilidade ao acionista, de manter a empresa competitiva, apesar de suportar a maior carga tributária do planeta.
Não sou jurista, mas, até onde vai minha memória, não me lembro de ter lido na Constituição Federal, promulgada em 1988, que são atribuições do Presidente da República achincalhar cidadãos contribuintes, que pagam seus impostos, ou dar palpite
nas estratégias comerciais das empresas brasileiras ou estrangeiras aqui estabelecidas.
É lamentável que o presidente não conte com assessores que o orientem a não cometer tamanho equívoco contra a imensa maioria de empresários sérios que buscam abrandar os riscos inerentes de suas atividades, utilizando, para esse fim, o moderno e eficiente mercado financeiro brasileiro e todos os instrumentos nele disponíveis para a mitigação de seus riscos. O presidente deveria falar apenas do que conhece e se ater apenas às sandálias.
* Por Arnaldo Luiz Corrêa, especialista em gestão de riscos em commodities agrícolas e diretor da Archer Consulting, empresa de assessoria em Mercado de Futuros, Opções e Derivativos.
Fonte: Revista Cana Mix Edição Especial, set.2009.