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terça-feira, 1 de maio de 2018

Alienação Fiduciária de bem imóvel. Penhora e alienação judicial de direito real de aquisição


Artigo publicado na "ADVOCEF em Revista", edição de abril/2018 analisa a efetividade da penhora de direitos reais de aquisição resultantes da Alienação Fiduciária de bem imóvel.

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL. PENHORA E ALIENAÇÃO JUDICIAL DE DIREITO REAL DE AQUISIÇÃO.

Mauro Antônio Rocha

1. A edição de março da Advocef em Revista trouxe, sob o título ‘Penhora e alienação judicial de direitos de devedor fiduciante’, interessante artigo do advogado Jeremias Pinto Arantes de Souza, cujo objetivo, se verifica ao final, é a proposição de procedimentos operacionais para a execução judicial de direitos reais de aquisição. Nela, sustenta o autor que nos pactos que contam com garantia de alienação fiduciária de bem imóvel, os devedores fiduciantes detêm, dentre outros, os direitos à posse direta do bem, à quitação do saldo devedor com a aquisição da propriedade plena sobre o bem e a eventual saldo remanescente após a consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário, e que resta pacificado no Superior Tribunal de Justiça a possibilidade de penhora de tais direitos”, cabível a alienação judicial, “embora com certa complexidade.

Ao detalhar o funcionamento da alienação judicial daqueles direitos o autor causa alguma perplexidade ao informar que, na prática, aliena-se por preço não inferior ao saldo devedor indicado pelo credor fiduciário o bem cujos direitos do devedor fiduciante foram penhorados; quita-se tal saldo devedor do pacto garantido com alienação fiduciária, liberando-se, assim, a restrição/gravame/direito real vinculado e; remanescendo valores, estes serão objeto de expropriação judicial para satisfação da dívida exequenda (grifei), depreendendo-se daí que, apesar de penhorados tão somente os direitos do fiduciante (sic), levar-se-á a leilão “o bem cujos direitos do devedor fiduciante foram penhorados”.

2. É certo que, no tocante à alienação fiduciária de bem imóvel, o fiduciante detém direitos, com destaques para o direito consistente na pretensão restitutória do bem alienado subordinada ao implemento da condição e para o direito inerente à posse direta, assegurada pelo adimplemento das obrigações assumidas nos contratos principal e acessório. O apontado direito à restituição do bem, anteriormente meramente expectativo, tornou-se direito real de aquisição por força da adoção da Medida Provisória nº 651, de 09 de julho de 2014, convertida na Lei nº 131.043, de 13 de novembro de 2014, que introduziu ao Código Civil o art. 1368-B.
Cabe ressaltar, neste ponto, que (1) o direito real de aquisição e o direito à posse direta que integram – juntamente com outros direitos residuais – os chamados direitos do fiduciante são singulares, não se fundem, nem se confundem; 2) o recebimento de valor que em leilão extrajudicial sobejar ao montante da dívida decorre do exercício do direito real de aquisição, não constituindo um direito específico.

3. O fato é que, por ter conteúdo patrimonial mensurável o direito real de aquisição foi incluído na lista de bens penhoráveis disposta no art. 835 (item XII) do Código de Processo Civil, despertando o interesse de credores fiduciários – como objeto de garantia complementar e superveniente e de terceiros – como objeto suficiente à penhora, expropriação e posterior transmissão para satisfação de obrigação não cumprida.
No entanto, eventual penhora abrangerá apenas e tão somente o conteúdo jurídico e econômico do direito real de aquisição (direitos aquisitivos derivados de alienação fiduciária em garantia) não promovendo qualquer alteração nos negócios jurídicos antecedentes e vigentes e, tampouco, alcançando a posse direta do imóvel. Decorre daí que, uma vez penhorados, serão oferecidos à venda em leilão somente os direitos reais de aquisição, de forma que a arrematação conferirá ao licitante vencedor apenas direitos a serem exercidos no tempo e nas condições contratuais e legais, não havendo justificativa legal, jurisprudencial ou doutrinária que permita levar à praça o bem imóvel como propõe o autor.

4. Acresce à complexidade salientada pelo autor, uma intransponível dificuldade na atribuição de valor ao direito real de aquisição para oferta de venda em leilão público.
De um lado, o valor do direito real de aquisição – exclusivamente para os efeitos de caução, cessão ou penhora – corresponde, de forma simplificada, ao preço de avaliação ou mercado do imóvel menos o saldo devedor da dívida que deu origem à alienação fiduciária e seu valor econômico será tanto maior quanto menor o valor da dívida ou do saldo devedor da dívida. Assim, por exemplo, o direito real de aquisição decorrente de um contrato de financiamento imobiliário com pagamento de parcelas mensais do preço será maior na medida em que mais parcelas tenham sido pagas pelo fiduciante. Ao contrário, num contrato de mútuo com pagamento total ao final do prazo contratual o direito real de aquisição será provavelmente insignificante ou negativo e assim permanecerá durante todo o período.
De outro lado, ainda que suscetível de avaliação e penhora para a garantia do juízo na execução, o valor financeiro do direito real de aquisição é – para o fim de oferta à venda – indeterminado, dependente e limitado ao quantum apurado na realização do bem em público leilão.
Em exemplo sumário, para imóvel avaliado em R$ 1 milhão, com dívida total de R$ 500 mil, poder-se-á atribuir ao direito real de aquisição o valor de R$ 500 mil para efeito de penhora. Porém, não existe critério técnico conhecido e razoavelmente aceitável que permita a avaliação desse direito aquisitivo para os fins de oferta e venda em leilão ou que possibilite a determinação de preço mínimo pelo qual poderá ser alienado nos termos dos arts. 879, 885 e 886 do CPC vigente, sendo certo que o acatamento do mesmo valor econômico e patrimonial utilizado para a penhora induzirá ao erro os participantes do certame e ensejará a frustração das expectativas de eventual arrematante. Cumpre ressaltar a existência, na justiça paulista, de caso emblemático em que a arrematação de direitos reais de aquisição por seu valor econômico resultou em prejuízo milionário ao licitante em razão da ignorância acerca do instituto – demonstrada por todos os envolvidos, especialmente pelo arrematante e seus advogados, pelo perito avaliador, pelo leiloeiro e, também, pelos magistrados das varas administrativas e jurisdicional nas quais tramitaram os processos.

5. Finalmente, considerando que o arrematante, apenas por arrematar, não assume – nem estará obrigado a fazê-lo – qualquer obrigação contratual ou de pagamento do saldo devedor do contrato originário, mas que poderá, a seu critério e conveniência, sub-rogar-se ativamente no crédito mediante pagamento do saldo devedor contratado ou, passivamente, assumindo o débito, mediante cessão do devedor acordada com o credor fiduciário, temos que a arrematação insere um terceiro interessado na relação jurídica de forma que (a) o credor fiduciário continuará titular de seus créditos e da propriedade fiduciária do imóvel; (b) o devedor permanecerá obrigado a realizar a liquidação dos débitos contratados, sob pena de execução e venda forçada do bem, com direito a receber o valor que sobejar aos créditos do fiduciário e do arrematante; (c) a possível sub-rogação, que decorre da cessão dos direitos creditórios feita pelo credor originário ao arrematante, resultará na automática sucessão na propriedade fiduciária e – por confusão – na correspondente extinção dos direitos arrematados e da própria alienação fiduciária, consolidando a propriedade, numa situação absolutamente imprevista e atípica para os procedimentos da lei.

6. Portanto, a decisão de penhorar – tanto quanto a de arrematar – direito real de aquisição requer clara definição dos interesses envolvidos, além de planejamento jurídico e financeiro, sob pena de resultar exclusivamente em ato de emulação, como, aliás, parece redundar o exemplo detalhado pelo autor ao discorrer que realizada a venda em leilão [...] quita-se tal saldo devedor do pacto garantido com alienação fiduciária, liberando-se, assim, a restrição/gravame/direito real vinculado e; remanescendo valores, estes serão objeto de expropriação judicial para satisfação da dívida exequenda.