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domingo, 10 de agosto de 2008

Cadê a crítica arquitetônica?

Estamos vivendo uma crise de gosto. Em São Paulo, longe passam as oportunidades para mostrar a bela arquitetura e a engenharia de ponta brasileira. Basta citar os últimos grandes lançamentos imobiliários. Um bom exemplo é o conceito do empreendimento de uso misto que visa colocar moradia, trabalho e lazer juntos, o que pode ser muito interessante, desde que bem aplicados os conceitos arquitetônicos e urbanísticos.
No entanto, um "pequeno universo de sonhos", como o recém-inaugurado Parque Cidade Jardim, merece considerações. Uma delas é a sua estética, primeiro sinal de um conceito aplicado de forma equivocada. Isso sem falar na falta de iniciativa para melhorar a própria vizinhança, no caso de um projeto que consumiu tanto dinheiro. Trata-se de um condomínio que desconsidera todo o seu entorno. O morador do complexo Cidade Jardim não respira o ar externo, não vive a cidade. Estará sempre cercado por vidros, dentro de uma bolha. É o tipo de projeto que despreza a cidade.
Por se tratar de um conjunto arquitetônico que já nasce desatualizado, se comparado ao contexto da arquitetura contemporânea atual, esse "universo de sonhos" está mais para um "grande pesadelo". As torres residenciais estão implantadas sobre um shopping convencional, com uma estética duvidosa. Quem ainda aposta no estilo neoclássico precisa se atualizar. Por que permanecer fiel às cópias malfeitas de um passado francês que há tempos não faz o menor sentido para a realidade paulistana?
Os próprios franceses enxergam essa estética como algo do passado. Vide o concurso mundial para o projeto do Centro Georges Pompidou, na década de 70, que mostrou para o mundo que seu senso estético estava à frente do imaginado. A capital paulista, que tem tudo para ser um centro de referência arquitetônica da América Latina, propaga o ultrapassado neoclássico, com a desculpa de que esse estilo vende mais. Não consigo entender como investidores e compradores podem acreditar nessa conversa furada. Que formação esse pessoal tem para dizer isso? Onde está a qualidade estética desses empreendimentos?
É a mesma coisa que pedir para montadoras de veículos desenvolverem um carro com a tecnologia de hoje, mas com o design de uma carroça! Por que com a arquitetura paulistana está sendo assim?
A arquitetura é a marca de um tempo e o que estão construindo nada tem a ver com o século 21. Deveríamos estar produzindo empreendimentos mais despojados, nos quais a estética acompanhasse a evolução tecnológica.
No Cidade Jardim, esse "megaempreendimento"que acredito possuir uma construção de qualidade e tecnologia de ponta, não aparecem criatividade e ousadia. Com sua "desarquitetura", mais uma vez a cidade perde (e não é por falta de bons arquitetos, pois temos dois Prêmios Pritzker brasileiros) a oportunidade de criar uma referência de qualidade arquitetônica e urbana para a cidade e para o mundo.
Hoje trabalha em seu próprio escritório.
*Ricardo Calabrese, formou-se no curso de arquitetura da Faculdade Belas Artes, em 1997. Fonte: Revista da Folha, ed. 03/08/2008.