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sábado, 13 de outubro de 2007

A bolha americana e o mercado imobiliário brasileiro

Por Jorge Mattoso (Professor do Instituto de Economia da UNICAMP e ex-presidente da Caixa Econômica Federal (2003-2006).

A globalização financeira gerou novas relações entre os mercados financeiros dos mais diversos países, e entre esses e a economia real. Essa dinâmica, sob a égide dos EUA, acelerou a dominância da esfera financeira e tornou essas relações mais voláteis e desconhecidas. Dessa forma, ampliaram-se os desafios aos economistas, bancos centrais e órgãos financeiros multilaterais para com a apreensão e administração dessa instável ordem econômica internacional.
Embora sem conhecermos ainda sua extensão, é evidente que a crise do mercado de hipotecas imobiliárias de maior risco dos EUA afetou seu próprio mercado imobiliário e as bolsas de todo o mundo. Se isso vai gerar uma recessão econômica naquele país, ou se as manobras do FED (como o rebaixamento das taxas de redesconto dos bancos) e dos outros bancos o tempo nos dirá, ainda que este tempo possa ser de apenas alguns dias, semanas ou meses.
Independentemente da maior ou menor crise nos EUA, essa também trouxe incertezas ao Brasil. Mas não como no passado recente, quando éramos mais dependentes dos negócios com os EUA (25% das exportações para aquele país em 2002, contra 14,6% em julho de 2007). Ou quando o câmbio era fixo e o país tinha baixas reservas, comércio exterior enfraquecido e deficitário, grande vulnerabilidade e quase nenhuma capacidade de resposta (pelo debilitamento do Estado e de sua capacidade de planejamento). Nos anos 90, frente a qualquer sobressalto financeiro nas economias centrais, o país levava um susto e um tombo sem tamanho.
O Brasil de hoje encontra-se em outro patamar: reservas de porte, menor vulnerabilidade, menor dependência da economia norte-americana, maior participação de outros países no crescente comércio exterior e maior crescimento econômico efetivo e potencial (ainda que pudesse ser maior, não fosse o conservadorismo das autoridades monetárias). Não menos importante, vemos finalmente uma muito bem-vinda melhora na distribuição da renda nacional. O próprio mercado internacional reconhece essas condições e nos encontramos às vésperas do "grau de investimento".
Paralelamente, o mercado imobiliário finalmente deslanchou nesses últimos anos, depois de uma longa crise que vinha desde os anos 80 e se aprofundou nos anos 90. Aqueles foram tempos sem políticas para a habitação, sem investimento, sem crédito e com a consolidação de um extraordinário déficit habitacional de mais de 7 milhões de moradias.
Desde 2003 importantes decisões foram tomadas pelo governo federal, em sintonia com entidades do setor e com os movimentos sociais, que permitiram alavancar o mercado imobiliário. Entre estas, cabe mencionar a criação do Ministério das Cidades, a constituição de uma política nacional de habitação, mudanças na legislação (patrimônio de afetação, valor incontroverso, letras de crédito imobiliário e desoneração tributária), redirecionamento dos recursos do FGTS, maior destinação dos recursos da poupança para o crédito habitacional e a redução da taxa básica de juros. Não menos importante foi o fortalecimento da Caixa Econômica Federal, disponibilizando mais recursos, gerando crédito sobretudo para a população de menor renda e ampliando sua produtividade e eficiência.
As perspectivas para o setor habitacional no Brasil são muito boas e podem até mesmo aproveitar-se da crise imobiliária dos EUA.
Tudo isso levou a valores jamais vistos no crédito habitacional nas últimas décadas. Nos primeiros sete meses de 2007, o volume de operações contratadas só com recursos da poupança pelos agentes do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) totalizou R$ 8,52 bilhões, superando em 71,81% o volume contratado no mesmo período de 2006, segundo a Abecip.
Depois do sucesso de 2006 quando no total foram aplicados cerca de R$ 20 bilhões somente no que vai de 2007 foram aplicados em crédito habitacional (poupança, FGTS, OGU etc) em torno de R$ 14 bilhões, gerando uma expectativa de aplicação de mais de R$ 30 bilhões no ano. Isto sem incluir os recursos novos do PAC destinados à habitação.
Apesar do crescimento do crédito habitacional no Brasil, ainda estamos distante de outros países. Recém iniciados em nossa expansão imobiliária, comparativamente aos EUA não tivemos uma bolha e não temos créditos de alto risco. Os IPOs das empresas imobiliárias têm sido um sucesso, mas podem espraiar-se ainda mais.
Nossas crescentes taxas de investimento ainda são baixas, o crédito habitacional pode ampliar em muito sua participação no conjunto do crédito e no PIB. Enquanto no Brasil o crédito habitacional atingiu 2% do PIB, no Chile é 13% e nos EUA é de mais de 65% do PIB. O crédito bancário brasileiro é sólido e, apesar de ter atingido o percentual mais elevado dos últimos 12 anos 33% do PIB -, também pode crescer muito mais. A securitização dos créditos habitacionais ainda é baixa (pouco mais de R$ 1 bilhão em 2006) e os juros podem (e devem) baixar mais. Os fundos imobiliários e de pensão internacionais mais arrojados já desembarcaram no país, mas devem fazê-lo em maior número e intensidade com a obtenção do grau de investimento.
Dessa maneira, as perspectivas para o setor habitacional brasileiro são muito boas e podem até mesmo aproveitar-se da crise imobiliária norte-americana, se essa não se transformar em uma crise geral, o que não parece ser o caso.
A partir da experiência do Japão e agora dos EUA, o mercado e as autoridades econômico-financeiras nacionais poderão tomar maior cuidado com a alavancagem baseada em créditos de maior risco. A securitização de créditos imobiliários ainda é incipiente no país e seu desenvolvimento indispensável para a expansão do crédito e do mercado imobiliário pode ganhar em qualidade e segurança.
Não menos importante, os fundos imobiliários e de pensão americanos que sofrerem ajustes menos pesados por terem apostado menos em créditos de mais elevado risco poderão, ainda com mais intensidade do que até recentemente, ver no Brasil uma alternativa sólida e rentável a seus investimentos, favorecendo a ampliação dos investimentos do mercado imobiliário nacional.

Fonte: Valor Econômico – 24.08.2007.