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domingo, 23 de novembro de 2014

A LEI, ORA A LEI!



O Estado de Direito é o Estado sob a lei. Essa a visão singela que prepondera na cultura jurídica. A lei continua a ser o parâmetro de comportamento da sociedade civilizada. Só que a lei contemporânea foi perdendo a sua sacralidade. Por uma série de fatores. Primeiro, porque ela é abundante. Tudo está disciplinado pela lei.
O legalismo é um labirinto que de vez em sempre sufoca a Justiça. Depois, a lei se afastou daquele ideal de ser relação necessária extraída da natureza das coisas. A fonte do direito positivo seria o direito natural, os princípios da razão e os costumes dos tempos imemoriais. Foi baseado nessa concepção que Tomás de Aquino afirmou: “uma lei injusta não é lei”.
Pois “todo direito positivo humano contém a natureza do direito na medida em que se origina do Direito Natural. Entretanto, se em algum ponto ele entrar em conflito com a lei da natureza, não será mais direito, e sim uma perversão do direito”. Não é difícil, encontrar na República do Brasil de hoje algumas leis que entram em conflito com a lei da natureza.
Lei da natureza que é, obviamente, superior a qualquer outra. Parece refluir a ideia de que há limites jurídicos no direito em si e que os legisladores são legalmente vinculados ao direito supremo. O que aconteceu em relação à lei? Começou-se a duvidar da existência de princípios morais objetivos.
A população tornou-se culturalmente heterogênea e com diferenciação de classes. Grupos com interesses econômicos conflitantes, uma economia cada vez mais especializada, regimes regulatórios complexos. E, finalmente, o desencanto geral com o mundo no século XX.
A partir daí, as únicas restrições a serem levadas em conta sobre a legislação foram as encontradas na Constituição. Mas a Constituição brasileira é analítica. Trata de tudo e abriga princípios antípodas. Reduzida a crença no Direito Natural, só é direito aquilo que está na Constituição. E tudo está no texto constitucional. Daí a multiplicidade de leituras possível de ser feita em relação a um único e mesmo texto legal.
Vive-se a República da Hermenêutica, pois as interpretações são todas possíveis, desde que fundamentadas. Escolhe-se jurisprudência à la carte nos Tribunais brasileiros. E a lei, embora sempre citada, é um símbolo cada vez mais fluido, ambíguo e impreciso. Acabou-se o fetiche da lei.

JOSÉ RENATO NALINI é presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para o biênio 2014/2015. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br, publicado em 23/11/2014 em http://renatonalini.wordpress.com