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domingo, 28 de setembro de 2008

São Paulo Cidade Limpa. Uma visão diferente (e valiosa) do filósofo.

BANHO DE NEON
Filósofo tem mania de gostar de luz. Afinal, quer metáfora mais adorada na filosofia que a idéia de "luz da razão"? E o movimento filosófico mais conhecido popularmente não é o Iluminismo?
Pois é. Sou suspeito então para falar o que vou falar, mas está na garganta -preciso falar. É que tiraram as luzes de São Paulo!
Sim, a idéia de regulamentar outdoor e luminoso pode não ter sido ruim, ao menos em princípio, mas a cidade ficou mais escura e menos atraente. São Paulo não está mais com aquela cara alegre das grandes metrópoles. E, para um filósofo paulistano bairrista como eu, isso é um desconsolo. Olho para fotos e filmes de Nova York e Tóquio e começo a ficar com inveja. Puxa, nós demoramos para conseguir ter um aglomerado populacional para fazermos nossas preces à urbanização e, quando chegamos a agrupar 22 milhões de pessoas, apagamos as luzes?
Ninguém notou isso? E não é só a questão de mais ou menos iluminação. É também a questão do colorido. A beleza da avenida Paulista é que nela a gente se sentia caminhando para frente. Os grandes painéis com notícias e propagandas anunciavam para cada transeunte aquela gostosa sensação de futuro. Agora, estou com saudades do futuro!
E a visão da cidade a partir dos bairros e vice-versa? Era só ir à sacada de um prédio e olhar São Paulo à noite. Que maravilha. As cores das propagandas davam exatamente a localização das coisas, além de anunciar que tudo estava vivo e pulsante. "Banho de néon" -todo interiorano com espírito de aventura gostava de dizer que vinha para São Paulo para "pegar uma cor". Agora, tenho andado quilômetros a pé para poder pegar um neonzinho funcionando!
São Paulo sem seus luminosos perde a graça. Pois São Paulo é a locomotiva do Brasil, como a chamamos desde os anos 20. Mas uma locomotiva sem aquele farol na frente não impõe respeito algum. Além disso, se torna perigosa. Uma locomotiva sem farol causa desastre.
Já estávamos ficando tristes com São Paulo, exatamente porque tudo estava fechando mais cedo. Tudo estava parando antes mesmo das 23h. Agora, com esse blecaute do marketing, parece que vamos querer dormir com os passarinhos. Daqui uns dias pode ser que eu fique chocado, pois não custa nada ficar sabendo que o paulistano vai dormir às 21h, quase no horário de dormir de São João del-Rei, em Minas Gerais. Se isso acontecer, como viverei aqui? Estarei desterrado em meu próprio habitat.
Quando o paulistano termina o dia de trabalho e vai empurrar sua barriga em uma padaria ou algum boteco, para esperar o trânsito diminuir e, então, voltar para casa em hora mais tranqüila, o que o faz feliz? Ora, o caminho do serviço até o boteco tem de ser um caminho de poluição visual. É isso que o deixa feliz. Ou há luminárias por toda parte ou então o gosto da cerveja é ruim e a pizza no pedaço não tem o mesmo sabor.
Não parece que você está em São Paulo. Bem, se era para andar assim, sem aquela profusão toda de luzes, não seria melhor um sítio com pernilongos gigantes, grilos infernais e aquele tédio cujo único objetivo é fazer você ou assistir à TV ou se matar?
Bom, o jeito é torcer pelo Natal, para matar um pouco as saudades do futuro.

Paulo Ghiraldelli Jr., 51, filósofo, autor de "História da Filosofia" (ed. Contexto, 192 págs., R$ 39). Colunista convidado da Revista da Folha, ed. 28.09.08.