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sábado, 21 de maio de 2022

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL. Algumas notas sobre direito de preferência e registro do contrato de locação de imóvel alienado fiduciariamente.



Da não aplicação do direito de preferência previsto no § único do art. 32 da Lei do Inquilinato aos contratos de locação de imóveis alienados fiduciariamente e da possibilidade de registro do contrato de locação ainda que não tenha havido anuência do proprietário fiduciário.


Mauro Antônio Rocha


O § único do art. 32 da Lei nº 8.245, de 18/10/1991 [lei do inquilinato] dispõe, com a redação dada pela Lei nº 10.931/2004, que:“nos contratos firmados a partir de 1º de outubro de 2001, o direito de preferência de que trata este artigo não alcançará também os casos de constituição da propriedade fiduciária e de perda da propriedade ou venda por quaisquer formas de realização da garantia, inclusive leilão extrajudicial, devendo essa condição constar expressamente em cláusula contratual específica, destacando-se das demais por sua apresentação gráfica.”

A referida Lei n° 10.931/2004, que alterou substancialmente a Lei n° 9.514/1997 , dispôs sobre a inclusão de cláusula específica também no contrato de alienação fiduciária relativa à denúncia da locação e prazo de desocupação do imóvel, assim, nos termos do § 7º, do art. 27, ao cuidar da denúncia da locação e da aquiescência do fiduciário, deverá essa condição constar expressamente em cláusula contratual específica, destacando-se das demais por sua apresentação gráfica.

Essa exigência legal – pela dubiedade do substantivo condição – pode se referir tanto à transcrição literal, em forma clausular, do texto de introdução do parágrafo (se o imóvel estiver locado, a locação poderá ser denunciada com o prazo de trinta dias para desocupação, salvo se tiver havido aquiescência do fiduciário, devendo a denúncia ser realizada no prazo de noventa dias a contar da data da consolidação da propriedade no fiduciário), quanto à uma possível cláusula informativa da existência, prazos e condições da locação vigente.

Também na Lei nº 8.245/1991, o vocábulo ‘condição’ pode se referir à transcrição literal da introdução do parágrafo, ou, como parece mais provável, a uma cláusula específica que informe encontrar-se o imóvel alienado fiduciariamente, não sendo aplicável o direito de preferência à locação contratada.

De notar que, neste ponto, basta a aquiescência do fiduciário “para se exigir o respeito ao contrato de locação, enquanto pela regra geral da Lei do Inquilinato é necessária a presença de três requisitos, a saber, a existência de locação em curso, com prazo determinado, a existência de cláusula de vigência e a averbação dessa cláusula no Registro de Imóveis.”(CHALHUB, Melhim Namem. Da incorporação Imobiliária. 4. ed. – São Paulo: Forense, 2017)

Em que pese a relativa simplicidade das disposições legais aplicáveis ao assunto, não é incomum que o registro de contrato de locação seja recusado por excesso de zelo do registrador que considera inapto o instrumento em que falte a cláusula específica acima referida ou a concordância expressa do fiduciário, sob a alegação de que a cláusula específica de que trata o § único do art. 32 da Lei nº 8.245 é obrigatória e que sua ausência invalida o contrato de locação apresentado a registro. No entanto, consideram satisfeita a exigência com a simples transcrição da norma legal no corpo contratual.

Ora, o direito de preferência não alcançará o imóvel objeto do contrato – enquanto vigente a alienação fiduciária – independentemente da existência da referida cláusula, tornando essa exigência despicienda, não se admitindo sequer a alegação de possível prejuízo ao locatário uma vez que ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece (art. 3º do Decreto-Lei n° 4.657, de 04 de setembro de 1942).

Ao final, ocorrendo a consolidação da propriedade, poderá o locatário adquirir o imóvel em leilão, concorrendo em igualdade de condições com os demais interessados, pagando o melhor preço. Ainda mais desconcertante, no entanto, é a negativa de registro baseada na ausência de concordância do fiduciário no contrato de locação ou de prorrogação por prazo superior a doze meses. Não há, sequer, fundamento legal que justifique a exigência. Com efeito, a lei não exige a concordância por escrito do fiduciário.

Basta ver que o art. 37–B da Lei nº 9.514 declara ineficaz, e sem qualquer efeito perante o fiduciário ou seus sucessores, a contratação ou a prorrogação de locação de imóvel alienado fiduciariamente por prazo superior a um ano. O que a lei declara ineficaz apenas e tão somente perante o fiduciário ou seus sucessores será, evidentemente, válido e eficaz em relação a quaisquer outros terceiros.

Por primeiro porque, como já dito anteriormente, a lei não exige anuência do fiduciário para a locação do imóvel. Ademais, a hipotética negativa de aquiescência poderá ser suprida judicialmente e, se injustificada, configurará ato ilícito (arts. 186 e seguintes do Código Civil) ficando o fiduciário obrigado a repará-lo (art. 927) mediante o pagamento de indenização compatível com a extensão do dano (art. 944).

Por segundo, porque a anuência do credor fiduciário “não é elemento de existência nem requisito de validade do contrato de locação, o qual existe, é válido e eficaz entre locador e locatário. Feito o registro desse contrato será também eficaz em relação a terceiros, com exceção do credor fiduciário e sucessores, por não haver anuência escrita respectiva.” (Declaração de voto divergente. Des. Ricardo, Anafe – Presidente da Seção de Direito Privado. Apelação nº 0065836-57.2013.8.26.0100, DJE/SP 08/10/201414)

Corroborando nosso entendimento a recente decisão da 1º Vara de Registros Públicos de São Paulo (Processo 1140705-90.2021.8.26.0100) que julgou improcedente a dúvida suscitada pelo Oficial do 14º Registro de Imóveis da Capital para afastar o óbice registrário e, em consequência, determinar o registro do título, nos seguintes termos:

"De fato, a lei garante ao fiduciante adimplente o direito de livre utilização do imóvel objeto da alienação, ainda que por sua conta e risco (artigo 24, inciso V), exigindo concordância escrita do fiduciário para que a contratação ou prorrogação da locação do bem por prazo superior a um ano seja eficaz perante este ou seus sucessores (artigo 37-B).

Pode-se afirmar, assim, que a simples existência de pacto fiduciário não impede a celebração do contrato de locação de imóvel alienado fiduciariamente, mas tão somente o torna ineficaz em relação ao credor-fiduciário que não tenha expressa concordância."



(Reprodução parcial do Capítulo 12 do livro "Alienação Fiduciária de Bem Imóvel - Da supergarantia do crédito imobiliário ao 'big mac' dos negócios financeiros", 1ª edição, São Paulo: Ed. Lepanto, 2021).