quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

DESTAQUE 2018. Porque respeitar os marcos regulatórios do crédito imobiliário?

Conheça os principais marcos regulatórios do crédito imobiliário e por que é imprescindível respeitá-los e aperfeiçoá-los.
Teotonio Costa Rezende
Mestre em Gestão e Estratégia de Negócios


Para a maioria dos países, é inegável a relevância que as operações de crédito imobiliário têm, tanto em termos econômicos quanto em relação aos impactos sociais. Isso porque, dado o expressivo valor de um imóvel, poucos são aqueles que têm disponibilidade para adquiri-lo apenas com recursos próprios.

O crédito imobiliário exerce o importante papel de, numa ponta, fomentar a produção de imóveis e, assim, possibilitar a geração de emprego e renda via fortalecimento do setor da indústria da construção civil. E por outro, viabilizar o acesso das famílias a uma moradia digna.

Dessa forma, ao mesmo tempo em que gera impactos positivos na economia, o crédito imobiliário contribui para o desenvolvimento social por meio do combate ao déficit habitacional, tanto em termos quantitativos como em termos qualitativos.

No mundo capitalista, se a segurança jurídica é de extrema importância para o funcionamento de qualquer mercado, inclusive em operações de curtíssimo prazo, nas operações de longo prazo, caso do crédito imobiliário, referida segurança jurídica é absolutamente vital. A segurança jurídica no mercado de crédito imobiliário é representada pelo binômio segurança para conceder o crédito, ou seja, a certeza da validade e eficácia dos contratos e da segurança para recuperar o crédito, isto é, a certeza de exequibilidade das garantias reais no caso de inadimplência do devedor.

A instabilidade econômica da década de 1980 até meados da década de 1990, agravada pela elevação, em níveis insustentáveis, do risco jurídico advindo do paternalismo com que o Poder Judiciário tratou os devedores inadimplentes, associado à imprevisibilidade do desfecho dessas demandas judiciais, tanto em termos de conteúdo quanto de prazo de conclusão, acabou por tomar o crédito imobiliário ‘mau negócio’ para os bancos. E, por conseguinte, praticamente paralisou o mercado de crédito imobiliário por mais de uma década.

MARCOS REGULATÓRIOS DO CRÉDITO IMOBILIÁRIO

A estabilidade econômica vigente a partir do segundo semestre de 1994, conjugada com importantes avanços no marco regulatório, possibilitou a retomada do crédito imobiliário, principalmente a partir de 2004.
Para que se tenha uma ideia da dimensão da magnitude desse novo ciclo, vale destacar que no período 1970-1994 foram financiados, em média, 220 mil imóveis por ano, média essa que subiu para 550 mil imóveis por ano no período 1995-2015, com destaque para os três últimos anos desse período, quando se financiou quase 1 milhão de imóveis por ano.
É possível afirmar, com convicção, que a melhoria na segurança jurídica foi um dos motores de expansão do crédito imobiliário nesse novo ciclo.
Destacaremos, a seguir, os principais avanços verificados no marco regulatório do crédito imobiliário ao longo das duas últimas décadas, embora o objetivo principal deste artigo não seja falar propriamente desses avanços, mas da preocupação quanto a possíveis retrocessos decorrentes de decisões judiciais equivocadas, que podem fazer com que estes avanços percam a eficácia, com sérios danos para a economia e para a sociedade.

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O MARCO DA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA

O primeiro grande marco regulatório, que ofereceu contribuição decisiva para que as Instituições Financeiras voltassem a ter interesse pelas operações do crédito imobiliário, foi a criação do instituto da alienação fiduciária de bens imóveis, instituída em 1997 pela Lei 9.514 e que passou a ser utilizada em larga escala a partir de 2001 e que hoje representa quase 100% das garantias das novas carteiras de crédito imobiliário.
Essa garantia foi instituída como solução para a total insegurança em que se havia convertido a garantia hipotecária.
Esta, em decorrência de decisões judiciais, cujo ápice foi a Súmula 308 do Superior Tribunal de Justiça, praticamente deixou de ser garantia real, sem embargo do prazo extremamente elevado nas execuções das garantias hipotecárias.
Graças à redução da insegurança jurídica decorrente da instituição da alienação fiduciária, bem como de suas externalidades positivas que resultaram em ganhos operacionais em termos de redução de custos e de maior eficácia na cobrança dos devedores inadimplentes, foi possível viabilizar, inclusive, créditos às famílias de baixa renda a custo compatível com a capacidade de pagamento.
Neste contexto, a alienação fiduciária teve papel relevante.
Por exemplo, no período 2009/2016 foram viabilizados quase 2,8 milhões de financiamentos de imóveis novos por meio do Programa Minha Casa Minha Vida às famílias de baixa renda.
Apenas a título de registro, cabe destacar que, não obstante o Programa Minha Casa Minha Vida tenha viabilizado, até 31/12/2016, a produção de quase 4,6 milhões de unidades habitacionais, dos quais cerca de 1,8 milhão de contratos se refere a operações de transferência de subsídios para a chamada Faixa 1.
Porém, mesmo para esses contratos de transferência de subsídios, foi utilizado o instrumento da Alienação Fiduciária.
Em termos de segurança jurídica, relativamente ao instrumento da alienação fiduciária, uma preocupação que poderá resultar em um novo imbróglio jurídico diz respeito ao entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) quanto à validade dessa garantia frente aos chamados ‘adquirentes de boa-fé’?
Prevalecerá, de fato, o previsto em lei, ou seja, que o credor fiduciário é proprietário do imóvel?
Ou se repetirá o entendimento consumerista da Súmula 308, fazendo que a alienação fiduciária também perca, a exemplo da hipoteca, sua eficácia como garantia?
Ainda em relação à alienação fiduciária, no contexto da insegurança jurídica, o jurista Melhim Chalhub, um dos maiores estudiosos e experts na matéria, tem alertado quanto a recentes decisões do Poder Judiciário que ameaçam fragilizar referida garantia.
É o caso do Cartório de Registro de Imóveis que se recusa a realizar o registro da Consolidação da Propriedade simplesmente mediante expediente do devedor que alega não concordar com o valor que lhe está sendo cobrado.
No intuito de contribuir para mitigar os riscos de fragilização da Alienação Fiduciária como garantia imobiliária, Chalhub tem dado ênfase à incompatibilidade dos ritos executórios da hipoteca em relação à alienação fiduciária.
Para tanto, tem chamado a atenção para preocupantes decisões proferidas no STJ e nos Tribunais Estaduais.
Entre estas, em contratos com garantia de alienação fiduciária cabe destacar a determinação de que a instituição financeira credora aceite a purgação da mora após a consolidação da propriedade e até a data da arrematação, além da aplicação subsidiária do DL 70/66.
Neste particular, como esclarece Chalub, a Lei 9.514/97 tem um rito específico de execução extrajudicial para os contratos com garantia de alienação fiduciária, permitindo a aplicação subsidiária do DL 70/66 exclusivamente nos financiamentos com garantia hipotecária.
Outra grave ameaça ‘indireta’ à alienação fiduciária está relacionada ao julgamento em curso no Supremo Tribunal Federal (STF) relativamente à execução extrajudicial disciplinada no Decreto-Lei 70/66.
Ora, se o STF julgar inconstitucional a execução extrajudicial prevista no DL 70/66, é pouco provável que não se ataque, logo em seguida, a execução extrajudicial disciplinada na Lei 9.514/97.
O que chama a atenção neste caso é que o próprio STF já havia se pronunciado, deixando claro que o referido DL 70 não ofendia a Constituição Federal.
Há, assim, o risco de se retomar à tese de que no Brasil até “o passado é mais incerto do que o futuro”.
Decisões do tipo implicam os riscos de ‘judicialização do processo extrajudicial’ e fragilização da alienação fiduciária, trazendo grave risco para as operações de crédito imobiliário.

PATRIMÔNIO DE AFETAÇÃO

O segundo grande marco regulatório ocorreu em 2004, por meio da Lei 10.931, que criou o Patrimônio de Afetação e o Incontroverso.
No caso do Incontroverso, este passou a ser um importante instrumento de combate à inadimplência, pois a Lei 10.931/2004, em seus artigos 49 e 50, regulamentou a forma de adimplemento das obrigações do devedor nas demandas que tenham por objeto os contratos de compra e venda de imóveis com pagamento parcelado.
Para tanto, conforme textos de autoria de jurista Chalhub, foi determinado que “a parcela não controvertida da obrigação continue sendo paga e que a parcela controvertida seja depositada, mecanismo semelhante ao da ação de consignação em pagamento, em que se faculta ao credor o levantamento da parcela não controvertida da dívida e a manutenção da parcela controvertida em depósito”.
Para que se tenha ideia da relevância da inovação trazida pela Lei 10.931/2004, basta lembrar que, até então, era comum que o devedor, para evitar a execução de sua dívida, ingressasse em juízo contestando os valores que lhe eram cobrados.
Normalmente questionava os índices de reajuste das prestações, nos casos de contratos regidos pela equivalência salarial e, quase sempre, afirmava a existência de anatocismo ou, não tão raramente, trazia a tese recentemente sepultada pelo STJ de que primeiro se deveria calcular os juros para, somente então, atualizar o saldo devedor.
Uma vez concedida a medida liminar, o devedor se eximia de fazer quaisquer pagamentos enquanto a ação não tivesse seu desfecho final.
Em muitos casos, além de não pagar as prestações do financiamento, também não pagava as taxas condominiais e os tributos incidentes sobre o imóvel.
Ao final da demanda, após ter frustrado o fluxo de retorno esperado pelo credor ao longo de vários anos, tampouco dispunha de recursos suficientes para quitar a dívida em atraso e, portanto, em algumas situações o credor tinha de refinanciar grande parte dessa dívida ou, com mais frequência, adjudicar um imóvel em que, não raramente, a dívida tributária e condominial superava o valor da garantia.
A partir do incontroverso, o credor poderá requerer a cassação da liminar eventualmente concedida, caso o devedor fique em mora com o pagamento das parcelas incontroversas e/ou em relação ao pagamento dos tributos incidentes sobre o imóvel e a taxa condominial.
Neste particular, é fundamental que as instituições financeiras exerçam rigoroso acompanhamento dos contratos que estão amparados por medidas liminares de modo a agir tempestivamente em caso de inadimplência do devedor, de forma a evitar que o Poder Judiciário seja invocado apenas para protelar o pagamento da dívida.
Ainda em termos de controles e ações por parte das instituições financeiras, cabe destacar que a Lei 10.931 faculta ao juiz, “em caso de relevante razão de direito e risco de dano irreparável ao autor”, pagar somente a parcela não controvertida, ou seja, dispensando-o de fazer os depósitos da parte controvertida.
Neste caso, é importante que os credores estejam atentos, verificando se em alguma localidade essa exceção não se está convertendo em regra.
Em termos de marcos regulatórios de extrema relevância, a Lei 10.931 criou também o patrimônio de afetação, que consiste na segregação patrimonial de bens do incorporador para uma atividade específica, com o intuito de assegurar a continuidade e a entrega das unidades em construção aos futuros adquirentes, mesmo em caso de falência ou insolvência do incorporador.
Novamente nos recorrendo aos ensinamentos de Melhim Chalhub, os “patrimônios de afetação são compostos por bens destinados a uma função específica e para realizá-la são submetidos ao regime da incomunicabilidade, da qual resultam a vinculação de receitas e a limitação de responsabilidade; cumprida a função, o conjunto de direitos e obrigações que forma o patrimônio separado é desafetado e o que dele remanescer é reincorporado ao patrimônio geral do instituidor, livre do vínculo que o prendia à destinação para a qual foi afetado”.
Desnecessário dizer quão importante é o patrimônio de afetação para salvaguardar os direitos de compradores de imóveis na planta em relação ao chamado “efeito Encol” (em alusão a uma grande construtora que faliu nos anos 90 dando enormes prejuízos aos adquirentes) e também para mitigar riscos para as instituições financeiras, haja vista que, na eventualidade da destituição do incorporador, a administração da incorporação passará a ser feita por comissão de representantes dos adquirentes ou, se for construção financiada, “por empresa ou profissional indicado pela instituição fornecedora dos recursos para a obra, devendo ser ouvida, neste último caso, a comissão de representantes dos adquirentes”.
Tamanha é a importância da figura do patrimônio de afetação que, embora defensores da intervenção mínima do Estado em operações de mercado, entendemos que, em vez de opção do incorporador, a prática deveria ser obrigatória, principalmente nas operações destinadas à produção de habitação social.
Além dessa obrigatoriedade, como afirma o consultor jurídico da Abecip, José Antônio Cetraro, “não basta ter o patrimônio de afetação; os bancos precisam zelar também pelos recebíveis, que substituem a hipoteca a partir da comercialização da unidade”.
Destaque-se ainda a relevância de incentivar e dar maior ênfase à atuação da comissão de representantes dos adquirentes, com vistas à transparência e a mitigar riscos de práticas irregulares em relação ao patrimônio afetado.
Considerando que o patrimônio de afetação é um mecanismo de defesa dos adquirentes dos imóveis, seria de se esperar que, no âmbito do Poder Judiciário, se organizassem defensores das regras desse instrumento.
Mas preocupações têm surgido recentemente, por exemplo, no caso de empresas que entram em recuperação judicial com a manifesta pretensão de consolidar os patrimônios de afetação no patrimônio geral da incorporadora.
A rigor, isso representaria um absurdo jurídico – ou seja, a ‘desafetação do patrimônio afetado’ – implicando enormes riscos para os adquirentes dos imóveis e para a instituição financiadora.
Mais uma vez recorrendo aos ensinamentos de Chalhub, “não se pode cogitar da consolidação dos patrimônios de afetação no patrimônio geral da incorporadora recuperanda, dada a subsistência do regime especial de incomunicabilidade, que, instituído por lei (Lei 4.591/1964, arts. 31-A e seguintes, e CPC art. 833, XII), só por lei pode ser excepcionado, e, na medida em que a Lei 11.101/2005 não o excepcionou, os patrimônios de afetação das incorporações imobiliárias da empresa recuperanda permanecem incomunicáveis e, portanto, sujeitos ao regime de vinculação de receitas”.

SISTEMAS DE AMORTIZAÇÃO

Outro marco relevante em termos de mitigação do risco jurídico nas operações de crédito imobiliário foi a regulamentação dos Sistemas de Amortização e da Capitalização Mensal de Juros, ambos por meio da Lei 11.977/2009.
Até então, alegar a ocorrência de anatocismo e/ou a ilegalidade da Tabela Price ou mesmo de qualquer outro sistema de amortização era o mecanismo mais utilizado por devedores inadimplentes com o objetivo de postergar o processo de execução da dívida.
No entanto, em que pese o avanço em termos de transparência na relação credor versus devedor, resultante da Lei 11.977, este ‘esqueleto’ ainda não foi ‘cremado’.
Ainda há um grande estoque de contratos firmados anteriormente à Lei 11.977, que trata exclusivamente de financiamentos imobiliários concedidos por instituições integrantes do SFH.
A solução definitiva do problema passa pela revogação ou alteração do artigo 40 do Decreto 22.626/33, bem como da alteração do artigo 591 da Lei 10.406/2002 (Código Civil), para eliminar, de uma vez por todas e de qualquer modalidade de crédito, as polêmicas sobre a prática de juros compostos, bem como dos equívocos em relação ao que seja capitalização de juros.

CONCENTRAÇÃO NA MATRÍCULA

Merece também destaque, na linha da mitigação dos riscos jurídicos, a Concentração de Atos na Matrícula do Imóvel, criada pela Lei 13.097/2015.
O objetivo é reunir na matrícula do imóvel todos os eventuais riscos jurídicos a ele relativos, resultando em transparência e mitigação de riscos, principalmente para os compradores de imóveis e agentes financeiros do crédito imobiliário.
Além desses ganhos, trará simplificação e celeridade para a concessão dos financiamentos habitacionais.
Referida lei vem enfrentando resistência por parte de alguns poucos que tiveram interesses particulares feridos, mas é imprescindível que o Poder Judiciário garanta a aplicação da lei, tais os ganhos que dela advirão em termos de segurança das transações imobiliárias.

NÃO CABE IMPUTAR AO FINANCIADOR A RESPONSABILIDADE POR VÍCIOS CONSTRUTIVOS

Outro aspecto relevante em matéria de risco jurídico – e que se vem arrastando há muito, sem grande evolução -, diz respeito à imputação à instituição financeira que financiou o imóvel, inclusive nos casos que tenha financiado apenas a operação de compra e venda e não a produção do imóvel, a responsabilidade por eventuais vícios construtivos, quando a construtora não os repara.
É patente que a instituição financeira não constrói nem vende as unidades habitacionais que financia, mas apenas e tão somente disponibiliza os recursos financeiros para viabilizar a transação imobiliária.
Ainda são raras as decisões em que o Poder Judiciário imputa a responsabilidade de reparo dos vícios construtivos à instituição financeira, mas este se tomou fator de encarecimento do crédito para os tomadores de crédito.
Não se esqueça, ainda, da insegurança jurídica resultante do disposto no artigo 421 do Código Civil, quando os juízes associam a chamada ‘função social do contrato’ à ideia de que se deva fazer ‘justiça social’, gerando o risco adicional de politização do direito.
Nessa trilha, tomando por base a tese da função social dos contratos, alguns juízes têm revisado contratos de acordo com seus conceitos subjetivos de ‘justiça social’, sob o argumento político de que é preciso proteger o fraco contra o forte que, no caso das operações de crédito imobiliário, é o mutuário.
Para se ter ideia da dimensão dessa ‘politização do direito’, destaque-se o estudo de Armando Castelar Pinheiro mostrando que 73,1% dos magistrados afirmaram que “o juiz tem um papel social a cumprir e a busca da justiça social justifica decisões que violem os contratos”.
Considerando ainda que o conceito de justiça social não é uma ‘ciência exata’ – ou seja, varia de pessoa para pessoa, “cada cabeça uma sentença”, no dito popular – imagine-se numa demanda sobre o direito à propriedade rural em que um juiz fosse o senador Ronaldo Caiado e o outro juiz fosse o senhor José Rainha, ex-líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

INSEGURANÇA JURÍDICA

A revisão dos contratos traz imensurável insegurança jurídica, criando instabilidade no ambiente econômico e elevando os custos de transação para todos que dependem do crédito imobiliário.
O custo de se ingerir nos contratos para se fazer ‘justiça social’ provoca, como efeito, a ‘socialização dos custos’, pois estes serão pagos pela coletividade. Enfim, os bons pagadores arcam com prejuízos causados por inadimplentes beneficiados com a dita ‘justiça social’.
O bom senso recomenda que, desde que o contrato não contenha nenhuma cláusula ilegal, ele deva ‘fazer lei’ entre as partes – e a melhor forma de o Poder Judiciário ‘fazer justiça social’ é seguir o código binário dos sistemas jurídicos (lícito-ilícito).
O princípio da segurança jurídica é um dos pilares sobre os quais se assenta o estado de direito, sendo inquestionável que a insegurança jurídica tem custo elevado para os agentes econômicos, custo esse que é repassado para a sociedade, em geral, via preço ou, pior do que isso, via retração das atividades econômicas e consequente atraso para o País.
A insegurança jurídica insere no ambiente de negócios um risco exógeno e imensurável, eleva os custos das transações e desestimula os investimentos e a aplicação do capital disponível.
Nesse contexto, é essencial a previsibilidade do direito para que o mercado possa fluir e usufruir de toda a sua potencialidade, condição somente factível quando se toma possível fazer previsões minimamente seguras e objetivas e, portanto, seja viável precificar produtos e serviços apenas com os custos e riscos inerentes ao próprio negócio.
Não se defende a eliminação de riscos – presentes em todo tipo de atividade econômica e operações comerciais – e imanente ao regime de mercado.
Numa visão mais ampla, o economista norte-americano Frank Knight afirma que o mercado apresenta duas variáveis – risco e incerteza.
No caso do risco, embora os resultados não sejam seguramente conhecidos, pode-se determinar a probabilidade de vários resultados potenciais, permitindo uma análise matemática do grau de risco.
Neste caso, pode-se adotar medidas prévias para mitigá-los e, dessa forma, é minimamente possível, realisticamente, estimar os resultados esperados.
Por sua vez, a incerteza advém de situações em que não se conhece a probabilidade de se obter os resultados desejados, significando que, nestes casos, não é possível, matematicamente, medir o grau de risco das alternativas de negócios.
Numa verdadeira economia de mercado, investidores e empresários quase sempre decidem num ambiente de risco e incerteza e, assim, avaliam o potencial dos possíveis retornos, isto é, antes de decidir por determinada linha de ação, avaliam os possíveis resultados e comparam o retorno potencial frente às probabilidades, inclusive de perdas.
Nesse contexto, a insegurança jurídica se insere nas operações de crédito imobiliário como variável de altíssimo peso para o custo e o funcionamento do negócio.
Para que o sistema jurídico possa contribuir para o eficiente funcionamento do mercado, gerando um modelo ganha-ganha entre produtores e consumidores, como diz o advogado Marcelo Terra, cabe garantir, no tempo, a segurança jurídica, de forma que, em relação ao passado, haja “a certeza do tratamento jurídico dado a fatos já consumados, aos direitos adquiridos e a certeza da força da coisa julgada” e, para o futuro, o “sentimento de previsibilidade, quanto aos efeitos jurídicos decorrentes da atividade humana”.
Justiça seja feita, nas operações de crédito imobiliário a insegurança jurídica não pode ser atribuída apenas à atuação do Poder Judiciário, embora este tenha nela grande participação.
Além de um emaranhado de leis e normas que regulam o crédito imobiliário, o texto básico (a Lei 4.380/64) já tem mais de meio século.
Não são raros os casos de falta de clareza e de transparência em muitos desses textos legais.
Isso, sem contar que um decreto do início do Século 20, no caso o Decreto 22.626/33, ainda desponta como um dos maiores geradores de insegurança jurídica tanto para o mercado de crédito imobiliário como para os setores produtivo e financeiro.
Muitas vezes o Poder Legislativo e, porque não dizer, os próprios atores do mercado de crédito imobiliário e do mercado imobiliário, ao permitirem a prevalência da ambiguidade, deixam aberta a porta para que o Judiciário tire as próprias conclusões.
Ademais, para que o Poder Judiciário possa decidir com segurança, é imprescindível que os contratos de financiamento sejam elaborados corretamente, estejam com plena sintonia com a legislação que rege a operação e de acordo com o negócio que está sendo realizado.
E, também, que o conteúdo das cláusulas contratuais seja passível de verificação, de entendimento e de aplicação.
É essencial a percepção de que elaborar cláusulas de um contrato de crédito imobiliário não é tarefa para ‘amadores’, requerendo a participação de técnicos e advogados com expertise em crédito imobiliário.
Na mesma linha, é importante avaliar os riscos e os ganhos de ações que visem ‘enxugar’ os contratos de crédito imobiliário, para que estes tenham o menor número de páginas possível, devendo-se ter o cuidado de não eliminar dados relevantes para a segurança jurídica e a transparência da operação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Portanto, entendemos ser de suma importância e urgência a constituição de um grupo de trabalho composto por experts em crédito imobiliário e em direito imobiliário, pelo setor da construção civil e por técnicos do Banco Central, preferencialmente sob a coordenação do Ministério da Fazenda, para (re) construir o arcabouço completo das operações de crédito imobiliário, eliminando o emaranhado e a dispersão hoje presentes, com foco na modernização e na atualização e, sobretudo, na transparência, para minimizar os conflitos entre credores e devedores e permitir que, quando esses conflitos ocorram, fique mais previsível o desfecho de uma demanda judicial.
Nesse caso, quem tem razão terá quase 100% de certeza de êxito e quem não tem saberá que tem quase 100% de certeza que será perdedor.
Seguramente, em operações de longo prazo, caso do crédito imobiliário, é impossível prever em leis, normas e contratos todas as possíveis ocorrências.
Num mercado dinâmico, é natural que ocorram fatos imprevistos. Nestas situações, quando não é possível resolver as dúvidas administrativamente, as demandas desaguam na esfera judicial.
Nessa hipótese, seria importante que, após a construção de um novo arcabouço jurídico, se mantivesse uma ‘inteligência permanente’ para ajustar o marco regulatório no tempo, abrigando no possível as demandas.
Há uma minoria à qual não interessa a clareza de leis e normas, nem transparência nas relações entre credores e devedores: são os integrantes da ‘indústria de liminares’.
Mas seguramente os ganhos para a sociedade mais do que justificam investir na mitigação da insegurança jurídica e na transparência das relações entre os diversos atores que interagem no mercado de crédito imobiliário e no mercado imobiliário.

Publicado na Revista do SFI – ABECIP