domingo, 17 de agosto de 2008

Beijing 2008. Laboratório humano.

China constrói '400 Brasílias' para fomentar crescimento do interior, mas novas metrópoles convivem com problemas, como poluição e falta de espaço devido à proliferação de bairros particulares.
Atualmente, 58% da população chinesa vive na zona rural. Prevê-se, no entanto, que 400 milhões de pessoas devam trocar o campo pela cidade até 2020. O equivalente à população de dois Brasis vai mudar de endereço e estilo de vida em pouco mais de uma década. Mas o governo chinês, desde 2001, está criando "400 Brasílias". Quem usa o termo para definir os projetos que visam a desenvolver o interior do país é o arquiteto holandês Neville Mars, que, desde 2004, estuda a urbanização chinesa e é autor do livro "The Chinese Dream -A Society under Construction" ("O Sonho Chinês - Uma Sociedade em Construção"). "As autoridades estão escolhendo diversas cidades pequenas por todo o país e decidindo quais irão crescer", diz Mars à Folha. "É o maior laboratório urbano que o mundo já viu. "Há projetos para todos os gostos. Dia e noite, são criados pólos turísticos, cidades militares, industriais e zonas francas. Até 2015, a China terá 260 aeroportos -49 estão em construção. Além disso, são construídos por ano 5.000 km de estradas e 3.000 km de ferrovias. Com centenas de multinacionais querendo se instalar no país, o regime comunista, que detém a propriedade da terra, costuma desalojar camponeses que ocupem o terreno pensado para uma nova zona industrial. Sonolenta até o início dos anos 90, Chongqing caminha para ser a maior região metropolitana. É uma das inúmeras versões locais do ABC paulista. Em 1997, ganhou autonomia política e passou a receber fábricas encaminhadas pelo governo central, que queria desenvolver a vizinhança da hidrelétrica de Três Gargantas. Chongqing tem 31 milhões de habitantes, sendo que 9 milhões de pessoas vivem no centro, já recheado de arranha-céus. Parte do esforço de fermentar Chongqing é para desenvolver o centro-oeste pobre. Changchun, no norte, passa pela mesma industrialização e urbanização aceleradas -e já duplicou a população de 3,2 milhões em cinco anos. Mesmo com 1,3 bilhão de habitantes, as maiores cidades chinesas, Xangai e Pequim, ainda são menores que Cidade do México e São Paulo. O governo quer evitar megacidades. Mas a receita está longe de ser exemplar. As novas metrópoles acumulam problemas típicos de Terceiro Mundo. Ficam na China 16 das 20 cidades mais poluídas do mundo. A destruição do ambiente se espalha pelo país. Atrás do lucro, muita terra é usada para a criação de condomínios particulares e bairros fechados. Apertadas em apartamentos minúsculos por décadas, as classes altas buscam espaço, fazendo com que as cidades fiquem mais espalhadas. "Os condomínios fechados são antiurbanos. Gasta-se terra com essa idéia de serenidade rural", diz Mars. "O crescimento é pensado para o uso do carro. Para quem mora em cidades poluídas, esses condomínios são tentadores, mas oferecem um conceito falso."O paradoxo é que urbanistas europeus acusam as novas urbes chinesas de não ter "alma", mas elas servem de exemplo para África e Índia. Manmohan Singh, primeiro-ministro indiano, disse que Xangai deve ser um modelo para Mumbai.
(Fonte: Folha de .Paulo, ed. 17/08/2008, Suplemento Beijing 2008)