terça-feira, 28 de agosto de 2018

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL

A partilha de bens alienados fiduciariamente na escritura pública de divórcio consensual*

Mauro Antônio Rocha

A promoção do divórcio consensual extrajudicial conferiu agilidade e celeridade ao ato, propiciando o redirecionamento do empenho do Poder Judiciário ao deslinde das demandas efetivamente litigiosas. Dez anos depois da Lei nº 11.441/2007 – objetivos plenamente atingidos – já não há quem se incline a processar o rompimento do vínculo conjugal pela via judiciária.

É preciso, no entanto, cuidar para que a simplificação e prontidão do procedimento não se confundam com desatenção e atecnia, notadamente com relação aos bens imóveis e direitos a eles relativos listados para divisão.

Ocorre ser bastante comum que os outorgantes elaborem plano de partilha arrolando bens imóveis no patrimônio comum sem consignar a existência de alienação fiduciária e de dívida a ser quitada, ou, ainda, acordando sobre venda ou doação de partes ideais, com a intenção de que o outorgado assuma a responsabilidade pelo pagamento das parcelas contratuais vincendas, sem prévia anuência do credor fiduciário.
É evidente que esses ajustes equivocados não produzirão qualquer efeito em relação ao credor fiduciário que só os acatará se – e quando – confirmada a manutenção das condições tais que justificaram a concessão do crédito na origem.

Manda o art. 33 da Resolução CNJ nº 35/2007 que para a lavratura da escritura pública de divórcio consensual deverão ser apresentadas as certidões de propriedade de bens imóveis e direitos a eles relativos. Observada a norma administrativa, o simples cotejo das certidões fornecidas com o inventário de bens parece suficiente para que o notário vislumbre e corrija os desacertos, não se justificando a transcrição para o instrumento público de pacto não consentâneo com as titularidades certificadas, desvelando a responsabilidade do tabelião.

Destarte, os outorgantes que tiverem a condição de devedores fiduciantes revelada na certidão de matrícula somente poderão compor – gratuita ou onerosamente – acerca do direito real de aquisição (da propriedade plena após quitação da dívida) de que são titulares, cujo valor será por eles atribuído ou resultará de operação matemática simples (saldo da dívida subtraído do valor de mercado ou do valor venal do imóvel), ressaltando, ainda que pareça redundante, que eventual cessão de direitos não poderá exceder a participação percentual de cada um e que os direitos à posse direta e livre utilização do imóvel não integram o rol de ativos. Caso o ajuste alcance direitos fiduciários abrigados no patrimônio comum, os outorgantes partilharão – na condição de credores fiduciários – os correspondentes créditos juntamente com a propriedade fiduciária a eles vinculadas, nos termos do art. 28 da Lei nº 9.514/1997.

Finalmente, cabe ao notário, quando for o caso, ressalvar na escritura pública que o plano de partilha apresentado foi transcrito tão somente para referir o quanto acordado entre os outorgantes, com a indicação de não constituir, nessa hipótese, título hábil para o registro imobiliário.

*Artigo publicado no "Jornal do Notário", do Colégio Notarial do Brasil, edição de agosto/2018