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quarta-feira, 2 de julho de 2008

Réquiem para um sonho.*

Nem que seja por um breve momento, o sonho de morar em um lugar mais tranqüilo já deve ter passado pela sua cabeça. Ou, mais provável, é que esse momento não tenha sido tão breve, afinal, tempo para pensar é o que não falta enquanto tentamos simplesmente voltar para casa no fim do dia – não importa por qual meio. Posando para a natureza morta do engarrafamento diário, observamos o excesso de carros, poluição e barulho combinados à ausência de segurança, contato com o verde e paciência, e logo nos vem à mente uma das idéias mais sedutoras que o cidadão metropolitano se depara hoje em dia: arrumar as malas e se embrenhar na promessa de vida bucólica dos condomínios afastados da cidade.
Viver em grandes cidades tem, de fato, apresentado uma conta cada vez mais salgada, graças à inexistência de um bom plano de crescimento: em São Paulo, por exemplo, a maioria dos bairros não tem um sistema viário, tem uma infiltração. São pequenos veios de carros que, ao não conseguirem escorrer pelos encanamentos planejados, vão se afunilando em ruas que não foram planejadas para receber muito tráfego além do pessoal que foi até a padaria e já volta. Com o passar do tempo, essas ruelas vão se tornando atalhos conhecidos, que pouco depois, são institucionalizados com “direito” a uma linha de ônibus e semáforos a cada esquina. Durma-se, respire-se, viva-se com um barulho desses.
Mas se a qualidade de vida nas cidades se tornou um desafio, a solução “rural” não é exatamente uma vitória: a decisão de abandonar a civilização e voltar para a cabana primitiva – levando, claro, a TV paga junto – está amparada em uma ilusão: ninguém está, de fato, se livrando dos problemas da cidade, está somente fugindo da bagunça imediata – mas como crianças que fogem de casa e tudo o que conseguem é dar a volta no quarteirão. A bagunça vem atrás, sem pressa, rindo daquela ingenuidade corajosa, e sabendo que essa aventura leva as pessoas ao mesmo lugar da onde saíram. Em se tratando da vida urbana, você pode fugir, mas na pode se esconder.
Antes que alguém possa se entediar com aquele mar de casinhas tranqüilas, o condomínio deixará de ser um refúgio bucólico: aquela bela paisagem ao fundo logo se tornará o próximo condomínio. O que era fim da linha se torna novamente passagem - assim como aconteceu os bairros centrais da cidade um dia – e em breve o transito estará de volta. Ainda levará um tempo para o morador reconhecer o lugar como cidade – afinal, ele está a meia hora de carro da padaria mais próxima, e só Deus (e talvez a Companhia de Tráfego) sabe a quanto tempo do trabalho. No fim das contas, a cidade vai se reconstituir ali, aos poucos, o morador vai perceber que ele apenas acrescentou um pedágio ou dois a sua vida.
A questão não está tanto nas qualidades “ambientais” dos condomínios off-road, mas na ausência mesmo da cidade. As pessoas escolheram se agrupar em um mesmo território, há séculos atrás, por uma boa razão: juntos, produzimos uma qualidade de vida mais rica e variada. A cidade centraliza nossas iniciativas e desejos, todos eles misturados em cada quarteirão, em cada bairro, em cada encontro casual entre amigos na calçada. É na multiplicidade de ofertas da cidade que descobrimos afinal quais são as nossas preferências, os nossos valores, enfim, a nós mesmos. Agregar essa experiência urbana a certo padrão de qualidade de vida não é tão difícil – ou pelo menos, não é contraditório. Dá para fazer da cidade um lugar habitável, ainda que apinhado de gente. É só trocarmos à ilusão de uma vida campestre ao qual não nos acostumaremos mais, e enfrentarmos a realidade urbana com coragem, um bom plano urbanístico, e vá lá, alguma esperança.

* Alberto Barbour, arquiteto e autor do architecture.blogger, publicado na Revista MORAR, FSP, Junho 2008.