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sábado, 1 de março de 2008

Crise norte-americana. Execução de hipotecas deve ser evitada

As perspectivas econômicas americanas continuam muito incertas. Mas a política macroeconômica está agora alinhada adequadamente, enquanto, nos próximos trimestres, a economia deverá se beneficiar de um estímulo fiscal e monetário. À medida que as condições assegurem e os riscos de inflação permitam, a política fiscal e monetária está pronta para oferecer novos estímulos.

A política para o setor imobiliário americano falido está numa situação menos satisfatório. Todos os analistas honestos concordam que as políticas adotadas até agora, como o plano que congela as taxas de juros de hipotecas e aumenta o respaldo federal para os empréstimo hipotecário, tiveram um impacto apenas marginal sobre a que pode a mais grave crise no setor de financiamento imobiliário desde a Depressão.
Os preços dos imóveis parecem ter caído de 5% a 10% em relação ao seu pico, com os mercados de derivativos prevendo novas quedas de cerca de 20%. Quedas de preços dessa magnitude provavelmente significarão mais de 10 milhões de pessoas que terão um patrimônio negativo de suas casas, e mais de 2 milhões de execuções hipotecárias serão propostas nos próximos dois anos.
As execuções hipotecárias são extremamente caras. Entre os custos da transação, que geralmente representam um terço ou mais do valor do imóvel, e o impacto adverso sobre as propriedades vizinhas, essas execuções podem facilmente dissipar mais do que o valor total do imóvel que está sendo retomado. E elas também provocam danos econômicos colaterais, à medida que a diminuição da riqueza e a menor capacidade de tomar empréstimos reduzem os gastos do consumidor, aumentam a fragilidade do mercado de crédito e deprimem as bases tributárias locais.
O que a política pública pode fazer? Ela não pode e não deve tentar resolver o problema de que, aos preços atuais, a oferta de imóveis supera e muito a demanda, nem pode fugir à realidade de que muitos imóveis próprios, destinados freqüentemente à especulação, não são mais viáveis e devem voltar ao mercado.
Mas a política pública pode e deve solucionar uma questão crucial: quando o proprietário tem capacidade e deseja pagar mais do que o credor poderá conseguir numa execução hipotecária, não tem sentido ir adiante com a execução. Entretanto, devido a conflitos entre credores, as incertezas legais e preocupações de que se pode estar encorajando as inadimplências, existem razões para temer que execuções hipotecárias desnecessárias e caras ocorram em grande escala, prejudicando famílias, comunidades, a economia e o sistema financeiro.
Como esse problema pode ser solucionado? Já se fez quase tudo em termos de políticas de encorajamento, com efeito limitado. Mas se não se encontrar meios de amortizar o passivo hipotecário, novos financiamentos não ajudarão em nada o grupo problemático com patrimônio negativo. A intervenção direta do governo nos mercados hipotecários pode criar delongas, onerar os contribuintes e inibir os necessários ajustes nos preços dos imóveis.
O foco correto deve ser em medidas que evitem execuções hipotecárias desnecessárias, facilitando acordos mais eficazes entre os proprietários de imóveis e seus credores. As mudanças legais que vêm sendo debatidas, com vistas à criação de regras relativas aos imóveis familiares, para ficarem de acordo com a prática legal falimentar em duas áreas, podem ser uma importante contribuição.
Primeiro, surpreendentemente, as leis de falência atualmente estabelecem que quase todos os tipos de propriedade (incluindo a propriedade comercial, casas de férias, ou imóveis de locação), salvo o imóvel principal de residência de um indivíduo, não podem ser retomados se uma pessoa tem um plano de falência adequado e aprovado judicialmente. O fundamento lógico dessa disposição é a prevenção de liquidações ineficazes e caras. É difícil ver por que proteções similares não deveriam ser estendidas, prudentemente, às residências familiares.
A preocupação dos críticos é de que tais medidas poderão secar a oferta do crédito hipotecário. É uma preocupação legítima, e por isso a lei deve ser elaborada de maneira cuidadosa e limitada, para ser aplicável apenas a hipotecas passadas, quando não existiu fraude e a execução hipotecária é iminente.
Mas vale a pena observar o seguinte: restringir de alguma forma os empréstimos para aqueles que provavelmente irão à falência pode ser uma boa coisa; por outro lado, tem havido uma oferta adequada de capital e capacidade para securitização no mercado de imóveis para locação ou de férias, casos em que os devedores estão protegidos; e, além disso, o Capítulo 12 da Lei de Falências, promulgado em meados da década de 80, que aplicou esses princípios aos donos de propriedades rurais, ajudou a resolver grandes infortúnios financeiros sem muitos custos a longo prazo, com a redução dos empréstimos agrícolas - apesar dos protestos muito semelhantes aos que estamos ouvindo hoje.
Em segundo lugar, é preciso encontrar meios para permitir que os credores que aceitarem amortizar o valor reclamado retenham uma participação numa futura valorização dos imóveis objeto das hipotecas.
Essa é a regra padrão em situações de dificuldades no campo empresarial, onde a reivindicação de uma dívida é substituída em parte por reivindicação a uma participação patrimonial.
Entre os obstáculos a esse tipo de hipotecas, existem as incertezas sobre regras contábeis e fiscais. Mas, numa época em que é uma grande vantagem induzir os credores a deixarem que as famílias permaneçam em suas casas - e em que as famílias que se deparam com uma execução hipotecária se mostram dispostas a fazer coisas que poderiam não aceitar em ocasiões normais - seria desejável levar adiante as sugestões do Office of Thrift Supervision (Departamento Federal de Supervisão) dos chamados certificados de participação patrimonial negativos para respaldarem a valorização compartilhada de bens, nas situações que envolvem empréstimos de difícil recuperação.
A reforma da Lei de Falências poderia, segundo algumas estimativas, evitar 500 mil execuções hipotecárias e, ao estabelecer padrões para negociação, ela ajudaria no sentido de uma reestruturação mais ampla das dívidas hipotecárias. Um apoio apropriado às reestruturações de dívida voluntárias, envolvendo uma participação do credor na valorização futura do imóvel, deve render benefícios ainda maiores. Do mesmo modo que o estímulo fiscal, uma rápida cooperação bipartidária entre o Congresso e a administração beneficiaria o sistema financeiro, a economia real e milhões de americanos.
* Lawrence Summers, ex-secretário do Tesouro americano
Fonte: (OESP ed. 29/02/2008, p. B15)