Mostrando postagens com marcador Lei da Responsabilidade Territorial Urbana. Atenção para o PL 20/2007.. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Lei da Responsabilidade Territorial Urbana. Atenção para o PL 20/2007.. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Atenção para o PL 20/2007

Na socidade contemporânea, a ganância de setores economicamente mais poderosos coloca em risco os direitos de parcelas menos favorecidas da população. Debate-se muito desenvolvimento, progressos tecnológicos, avanços científicos, uma maior longevidade e, portanto, uma melhor qualidade de vida. Mas isso só se alcançará com o progresso ordenado. Nos dias de hoje, o aquecimento global atemoriza e ameaça a humanidade. Há risco para a sobrevivência da espécie humana. O desenvolvimento econômico conduz a uma busca por lucro. Se este se der, no entanto, sem as devidas cautelas, corre-se o risco do aniquilamento de seres humanos.
Discute-se na Câmara dos Deputados projeto de lei cujo objetivo é atualizar a regulamentação de parcelamentos do solo urbano -atividade de lotear imóveis nas cidades- e, de outro lado, a regularização dos chamados "assentamentos informais", isto é, ocupações irregulares, favelas etc. O texto legislativo, que se iniciara como uma pequena alteração na lei de parcelamento do solo, hoje, após sucessivas emendas e substitutivos, se reveste de matérias bastante diversificadas. Tal qual uma colcha de retalhos, o projeto altera o direito do consumidor, a legislação ambiental, cuida de temas que não guardam nenhuma ligação com sua origem, além de alterar todo o sistema do registro imobiliário e negligenciar questões urbanísticas importantes.
É importante salientar que o Ministério Público paulista defende a regularização de assentamentos informais, pois é sua atribuição constitucional a preservação de valores como a dignidade da pessoa humana e o direito à moradia. Porém, o projeto busca regulamentar, também, relações jurídicas futuras, ou seja, empreendimentos que estão por vir. Não só os de perfil popular, mas todo e qualquer projeto que envolva a produção de unidades imobiliárias nas cidades será regido pela nova lei. É justamente nesse ponto que residem as maiores inquietações.
Veja-se, por exemplo, a sistemática proposta para os licenciamentos.
Busca-se simplificar o processo, unificando-o à análise de aspectos puramente urbanísticos, sendo certo que o licenciamento ambiental possui técnicas e princípios totalmente diversos. Procura-se, ainda, delegar, em afronta à Constituição Federal, exclusivamente aos municípios, na imensa maioria dos casos, a análise dos impactos ambientais de empreendimentos imobiliários, quando se sabe que a maioria das cidades brasileiras não conta com um mínimo de estrutura para tanto. Pelo projeto, a proteção dada aos recursos hídricos fica enfraquecida, o que é preocupante. A fragilidade dos cursos d'água não permite que a proteção seja relegada a segundo plano, sob pena de aumentar o risco de enchentes nos centros urbanos pela ocupação e utilização de áreas de várzea ou áreas vegetadas que hoje acolhem as cheias em épocas de chuva.
Paralelamente às questões ambientais, grave conseqüência econômica se vislumbra com o descaso que se teve com relevantes conquistas consolidadas. O Código de Defesa do Consumidor, que se destaca internacionalmente pela modernidade e precisão técnico-processual, hoje se vê ameaçado por um projeto de lei que abruptamente elimina direitos conquistados com o intuito de preservar a lucratividade do setor empresarial. Na contramão da história, sem se ater à importância da sustentabilidade do mercado de consumo, o PL 20/ 2007 (antigo 3.057/2000) cria uma onerosidade tão excessiva para o consumidor de baixa renda que acabará por aniquilar de vez essa parcela social que se almejava proteger. Uma profunda mudança na área dos registros não pode ser feita em um projeto em que o tema é tratado de forma secundária.
Para que haja um controle da titularidade da propriedade e, assim, uma segurança maior para os negócios, o projeto prevê a necessidade da escrituração imediata, quer do contrato de compromisso de compra e venda, quer da prenotação. Essa medida, porém, não pode ser tomada sem que se assegure a gratuidade ou, ao menos, alguma espécie de facilitação de acesso ao registro. Não se aplaude a informalidade, mas não se concebe a mudança repentina sem a salvaguarda dos direitos dos menos favorecidos.
É importante que a sociedade brasileira desperte para a tramitação de projeto de tão relevante conseqüência e que o Poder Legislativo tenha consciência da grande responsabilidade social que envolve questão de tamanha importância para a população de baixa renda. O Ministério Público de São Paulo muito tem feito pela defesa dos interesses sociais e não pode calar-se diante da séria ameaça que se aproxima com a possível aprovação do projeto da forma como hoje se apresenta.

Rodrigo César Rebello Pinho é procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo. Folha de S.Paulo, 18/11/2007