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domingo, 28 de outubro de 2007

Compre apê e leve brindes

"Tortuosos são os caminhos que levam à arquitetura. E eu não estou falando do Jardim Europa. Para escolher a própria casa, tudo indica que deveríamos começar analisando as qualidades de seus ambientes. Mas, a julgar pelas propagandas de imóveis por aí, o paulistano faz essa escolha usando critérios realmente estranhos.
Localização, por exemplo. Todo mundo sabe que, em São Paulo, morar perto do trabalho ou da sogra faz uma diferença danada na qualidade de vida. Mas estamos longe de um consenso. Se nos basearmos nos anúncios, veremos boa parte deles oferecendo como atrativo uma excelente vista para, eufemismos à parte, São Paulo. Claro, claro, esse cartão postal. A outra parte enfatiza sua proximidade de coisas cotidianas e fundamentais nas nossas vidas, como um shopping. Nada de metrô, nenhum dos grandes parques. Os novos objetos do desejo aparentemente se encontram longe da cidade, mas perto da praça de alimentação.
E a arquitetura? Calma, ainda temos de passar pela lista de coisas que vão garantir que você não tenha mesmo que pôr o pé na rua; afinal, entre você e o cartão postal tem aqueles pontinhos ali em baixo, buzinando por alguma razão. Mas sem problema: o seu novo megacomplexo residencial agora oferece áreas genuinamente domésticas, como cinema, biblioteca, lan house - e por que não, até minigolfe. Claro, no seu antigo bairro tinha dúzias dessas coisas, mas não a uma viagem de elevador. É uma economia crucial de tempo, agora ele certamente vai ser útil quando voce precisar de alguma coisa do lado de fora do seu bosque privativo.
Até aqui, tudo bem. Você deve morar em uma espécie de clube de campo. Onde, especificamente, você toma banho? Tem onde secar a roupa? A resposta clássica, infelizmente, é 'vai saber'. A qualidade das casas e apartamentos em si a essa altura soa como uma curiosidade excêntrica, uma nota de rodapé depois do checklist quase interminável de coisas que um condomínio novo oferece.
Não deveria ser assim. Escolher um apartamento pode ser uma experiência frustrante se você já chegar a ele seduzido pelos brindes. Peguemos o casamento, por exemplo (e não é a toa que ele tem a palavra 'casa' no meio). Não é uma escolha necessariamente difícil, se você souber o que quer - ou pelo menos o que não quer - do escolhido. Se a primeira impressão obviamente importa, é a convivência que fecha o negócio. Apenas tolerar o quarto, assim como quem dorme nele, pode não ser suficiente.
A idéia é conviver com ambos por muito tempo. Por isso, não é bom deixar para descobrir depois do 'sim' definitivo que não bate sol nunca na sala, que não há uma parede para encostar sua estante novinha; secar a roupa então, esquece, aquela lavanderia o faz pensar se aquela estória de geração espontânea não foi descartada cedo demais.
Conehcer melhor a qualidade dos ambientes, da luz e da ventilação deve ser prioritário nessa relação; é a própria presença (ou ausência) de uma boa arquitetura no seu lar que vai definir seu ânimo diário para usar a quadra de tênis ou enfrentar a hora do rush, recentemente prorrogada para o dia inteiro. Nesse jogo de sedução do mercado imobiliário, é melhor não ser impulsivo; vale a pena namorar um pouco."

(Alberto Barbour, Morar - Revista da Folha, 26 de outubro de 2007)