A tradicional e excelente Editora Mizuno se prepara para o relançamento do livro "A HIPOTECA", escrito pelo Dr. Ademar Fioranelli, oficial do Sétimo Registro de Imóveis da Capital do Estado de São Paulo, apresentado como contribuição aos estudos do XIX Encontro Nacional dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil, realizado em Goiânia – GO, em 1992 que, lançado no último quarto do século passado, se tornou, pela excelência, uma das mais significativas e completas obras sobre a hipoteca no Brasil.
As novidades e modificações trazidas pela Lei nº 14.711, de 30 de outubro de 2023 - o denominado 'Marco Legal das Garantias' - parecem, à primeira vista, suficientes para reintroduzir a hipoteca como garantia viável para as operações imobiliárias em geral, oferecendo uma alternativa simples e ágil ao mercado de crédito, especialmente aos negócios imobiliários, com características bastante similares às que transformaram a alienação fiduciária de bem imóvel na garantia que dominou os negócios financeiros e comerciais do Brasil nos últimos vinte e cinco anos
Nesse contexto - finalizando as comemorações do 5º aniversário de fundação da Academia Nacional de Direito Notarial e Registral - AD NOTARE - foi que consideramos ser este o exato momento trazer ao lume a obra do Dr. Ademar Fioranelli que, agora revista, ampliada e atualizada pelo autor, com a minha colaboração, em conformidade com as modificações introduzidas no instituto pela Lei nº 14.711/2023, se apresenta como um manual de grande interesse para os que militam na área do crédito financeiro e imobiliário, notadamente os advogados, consultores, registradores, incorporadores que terão a oportunidade de substituir os inúteis manuais existentes, ultrapassados em face das inúmeras alterações legais e do desinteresse do mercado editorial em investir na divulgação de um instituto jurídico que passou décadas "mantido vivo com a ajuda de aparelhos".
Busquei ser criterioso e discreto, de modo a preservar a transcendência da obra original e espero ter atingido o objetivo de assegurar – nas parcas intervenções e alterações que me foram exigidas para a adaptação do escrito originário às novas disposições legais e decisões jurisprudenciais – o nível de qualidade do texto primordial.
Agradeço profundamente ao Dr. Ademar Fioranelli, mestre e amigo de tantos anos, pela confiança e oportunidade de realizar este trabalho, reconhecendo o brilho e prestígio que isso me proporcionará perante a comunidade jurídica em geral e à Mizuno pelo denodo com que recebeu o projeto e pelo investimento realizado, ao tempo em que reverencio a AD NOTARE pela celebração.
terça-feira, 18 de junho de 2024
Breve nota sobre a celebração do contrato por instrumento particular na alienação fiduciária
[*]Mauro Antônio Rocha
O CNJ tem competência constitucional para alterar a legislação vigente, vedar a celebração de contratos de alienação fiduciária por instrumento particular e o acesso de títulos ao registro imobiliário?
Depois de reconhecer a validade de norma administrativa do TJ/MJ que restringira o registro "dos atos e contratos relativos à alienação fiduciária de bens imóveis e negócios conexos" apenas aos firmados por escritura pública "ou instrumento particular, desde que, neste último caso, seja celebrado por entidade integrante do SFI - Sistema de Financiamento Imobiliário, por Cooperativas de Crédito ou por Administradora de Consórcio de Imóveis" o Conselho Nacional de Justiça decidiu, nos autos do Pedido de Providências 0008242-69.2023.2.00.0000, vedar "a celebração de ato particular, com os efeitos de escritura pública, por qualquer outro agente não integrante do SFI, pois os dispositivos legais acima transcritos, normas específicas e excepcionais não revogaram a regra geral do Direito Privado, consagrada no art. 108 do Código Civil, quanto à essencialidade da escritura pública para validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário-mínimo vigente no país."
Para conferir eficácia à decisão determinou a alteração do Provimento CNJ 149, de 30/8/23 e a adequação dos normativos das corregedorias gerais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, que passarão a vigorar, no prazo de trinta dias, acrescido do disposto no Capítulo VI, do Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ para o Foro Extrajudicial - da seguinte forma:
Não se encontrará na decisão comentada razões efetivamente jurídicas que a justifiquem e o argumento nuclear acolhido (toda escritura pública confere segurança jurídica e todo instrumento particular insegurança jurídica) prefigura-se destituído de comprovação fática minimamente aceitável, além de resultar desestruturado pela própria decisão que transfere a "insegurança jurídica" do instrumento particular para a 'qualidade' das partes contratantes:CAPÍTULO VI Da alienação fiduciária em garantia sobre imóveis Seção I do título Art. 440 - AN. A permissão de que trata o art. 38 da 9.514/97 para a formalização, por instrumento particular, com efeitos de escritura pública, de alienação fiduciária em garantia sobre imóveis e de atos conexos, é restrita a entidades autorizadas a operar no âmbito do Sistema de Financiamento Imobiliário - SFI (art. 2º da lei 9.514/97, incluindo as cooperativas de crédito. Parágrafo único. O disposto neste artigo não exclui outras exceções legais à exigência de escritura pública previstas no art. 108 do Código Civil, como os atos envolvendo; Administradoras de Consórcio de Imóveis (art. 45 da lei 11.795, de 8/10/08); Entidades integrantes do Sistema Financeiro de Habitação (art. 61, § 5º, da lei 4.380, de 21/8/64".
A verdade é que r. decisão afronta diretamente o espírito da lei e a intenção seguidamente reiterada pelo legislador de conferir aos negócios imobiliários celeridade, simplicidade, constituição descomplicada, custo reduzido e caráter satisfativo. Nesse sentido, a redação original da lei 9.514/97 admitiu a utilização do instrumento particular nas operações celebradas com pessoa física, afastando - expressamente - a limitação prevista no art. 134, II do CC (art. 108, do código vigente):"A respeito da atribuição de efeitos de escritura pública a instrumento particular, não se pode olvidar a importância e imprescindibilidade da tutela pública em negócios privados para conferir-lhes juridicidade e autenticidade a qual se revela pela presença nesses atos jurídicos, de instituições financeiras integrantes do Sistema de Financiamento Imobiliário."
Já em 2001, para contornar a interpretação enviesada de alguns autores e a resistência dos registradores de imóveis, a redação do art. 38 da lei foi alterada pela MP 2.223 de forma a arrolar os contratos abrangidos pela exceção legal, inclusive "aqueles constitutivos ou translativos de direitos reais sobre imóveis" e explicitar a não aplicação da regra geral do Código Civil, passando a viger com o seguinte texto:Art. 38. Os contratos resultantes da aplicação desta lei, quando celebrados com pessoa física, beneficiária final da operação, poderão ser formalizados por instrumento particular, não se lhe aplicando a norma do art. 134, II, do CC.
Os mesmos motivos exigiram duas alterações no referido artigo 38 durante o ano de 2004, para ajustes e atribuição textual aos atos e contratos resultantes da aplicação da lei 9.514 do caráter de escritura pública para todos os fins de direito. A primeira delas, pela lei 10.931, em 2/8/04 e a segunda, pela lei 11.076, de 30/12/04, advindo a redação ainda vigente:Art. 38. Os contratos de compra e venda com financiamento e alienação fiduciária, de mútuo com alienação fiduciária, de arrendamento mercantil, de cessão de crédito com garantia real e, bem assim, quaisquer outros atos e contratos resultantes da aplicação desta lei, mesmo aqueles constitutivos ou translativos de direitos reais sobre imóveis, poderão ser celebrados por instrumento particular, a eles se atribuindo o caráter de escritura pública, para todos os fins de direito, não se lhes aplicando a norma do art. 134, II, do Código Civil.
Se é verdade que a redação imperfeita do vigente do art. 38 suprimiu - de forma atécnica e indevida - a parte que atribuía aos contratos referidos o caráter de escritura pública para todos os fins de direito, não há na evolução da norma em questão, nem se depreende da leitura daqueles dispositivos, qualquer justificativa para o entendimento ou interpretação que permita pressupor que a forma plúrima elegida na origem tenha sido escamoteada pelo legislador ou limitada a instrumentos provindos do mercado financeiro. É relevante destacar que o CNJ detém competência administrativa para fiscalizar e normatizar o Poder Judiciário e, por via de consequência, fiscalizar os serviços notariais e registrais, que por sua vez, estarão obrigados a cumprir as normas técnicas dali emanadas, de tal forma que. a decorrido o prazo estipulado no provimento minutado que integra a decisão referida, restará vedado o acesso ao registro imobiliário dos instrumentos públicos - ainda que expressamente admitidos pela lei de regência da alienação fiduciária de bem imóvel. Da mesma forma, é pertinente frisar que falta ao CNJ competência constitucional para alterar a legislação vigente, que a decisão acima transcrita contraria o ainda vigente art. 38 da lei 9.514/97 e que, ao vedar o acesso do cidadão ao registro imobiliário, confronta diretamente direitos e garantias fundamentais assegurados pela Constituição Federal. Finalmente, a decisão merece reparos sendo pertinente ponderar que não cogitou o legislador do art. 38 da lei 9.514 de revogar a regra geral do Direito Privado (art. 108 do Código Civil) e, sim, de estabelecer a exceção prevista em lei e admitida pelo dispositivo legal. Ademais, conforme já aclarado, a norma administrativa provinda do CNJ pode vedar ao agente público que proceda ao registro dos títulos apresentados em desacordo com o decidido, mas não deveria - em respeito ao princípio constitucional da legalidade - obstar "a celebração de ato particular, com os efeitos de escritura pública, por qualquer outro agente não integrante do SFI". Mauro Antônio Rocha Advogado especializado em Direito Imobiliário, Notarial, Registral, Crédito e Garantias Imobiliárias. Presidente da AD NOTARE - Academia Nacional de Direito Notarial e Registral. Publicado no Boletim MIGALHAS 5873, de 18/06/2024Art. 38. Os atos e contratos referidos nesta Lei ou resultantes da sua aplicação, mesmo aqueles que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis, poderão ser celebrados por escritura pública ou por instrumento particular com efeitos de escritura pública.
segunda-feira, 3 de junho de 2024
Da responsabilidade do fiduciário pela dívida condominial na alienação fiduciária de bem imóvel em garantia.
Mauro Antônio Rocha [*]
O STJ faz audiência pública para tentar definir a responsabilidade de fiduciário e fiduciante pelo pagamento de despesas condominiais devidas durante o prazo contratual da alienação fiduciária.
1. Na segunda-feira (03/06) será realizada a audiência pública convocada pelo Ministro Antonio Carlos Ferreira, Relator do Resp. nº 1.929.926/SP afetado pela Quarta Turma à Segunda Seção do STJ para pacificação do tema e “formar precedente, embora não qualificado como repetitivo, sobre a (im)possibilidade de penhora do imóvel objeto de alienação fiduciária em garantia no curso de execução de débitos condominiais”.
Cumpre ressaltar que o Ministro Antonio Carlos Ferreira, antes da magistratura, foi advogado e diretor jurídico da Caixa Econômica Federal, participou dos estudos e elaboração da Lei nº 9.514/1997, assim como da implantação da alienação fiduciária em garantia no mercado de crédito imobiliário e desponta como especialista na matéria, de forma que a audiência proposta denota a adoção de um interessante viés democrático na análise e enfrentamento da controvérsia jurídica.
O quadro de entidades habilitadas – siglas representativas dos diferentes setores envolvidos (AABIC, ABADI, ABMI, FEBRABAN, ANACON, SECOVI, ABECIP, ABRAINC, SIPCES e SECOVI) – e a destacada qualificação profissional dos nomeados para a representação confirmam a relevância econômica e social da questão controvertida.
Estranhamente, dentre inúmeras instituições acadêmicas dedicadas ao estudo, pesquisa e difusão do conhecimento nas áreas de direitos consentâneos ao condominial e imobiliário, somente a Academia Nacional de Direito Notarial e Registral – AD NOTARE está habilitada e será representada por seu Diretor Dr. Marcus Vinicius Kikunaga.
2. No mérito, o Tribunal pretende firmar entendimentos acerca da responsabilidade – temporal e patrimonial – do credor fiduciário e do fiduciante pelo pagamento das despesas condominiais e, consequentemente, das demais despesas de natureza propter rem, devidas no decurso do prazo contratual de financiamento, empréstimo ou parcelamento de preço.
Do ponto de vista temporal, está assentado que a obrigação de pagamento dessas despesas e encargos durante a vigência do contrato de alienação fiduciária é do fiduciante – assim o determina o § 8º do art. 27 da Lei nº 9.514/1997. De igual forma, indiscutível que a obrigação de pagamento dos encargos devidos até a data da contratação é, evidentemente, do fiduciário, assim como os valores incidentes a partir da data da imissão na posse direta do bem por efeito de realização da garantia, conforme dispõem o artigo 1336, I e o parágrafo único do art. 1.368-B do Código Civil vigente.
Não há dúvida, também, de que os valores relativos aos encargos do imóvel, assim considerados “os prêmios de seguro e os encargos legais, inclusive tributos e contribuições condominiais” que recaiam ou venham a recair sobre o imóvel, atribuídos ao fiduciante e não pagos, serão apurados para a composição do valor total da dívida garantida pela alienação fiduciária e para a determinação do valor mínimo de venda do imóvel em segundo leilão, de forma que serão – sempre – suportados direta ou indiretamente pelo fiduciante.
A controvérsia, portanto, reside – exclusivamente – na determinação da parte legitimada como réu das ações de cobrança e execução e da responsabilidade patrimonial dos contratantes.
3. O art. 23 da Lei nº 9.514/1997 dispõe que o registro do contrato serve de título para a constituição da propriedade fiduciária.
Do registro do contrato alienação fiduciária de bem imóvel “emergem direitos reais concorrentes, antagônicos e indissociáveis: a propriedade fiduciária – que se consubstancia na transmissão da propriedade resolúvel e da posse indireta ao credor fiduciário – e o direito real de aquisição que defere ao fiduciante, mantido na posse direta, o direito de reaver a propriedade do bem mediante pagamento da dívida contraída” .
Portanto, a alienação fiduciária em garantia torna o fiduciário titular da propriedade resolúvel e possuidor indireto da coisa e o fiduciante possuidor direto e titular do direito real de reaquisição do bem.
O Código Civil, ao tratar do condomínio edilício, dispõe no art. 1.345 que “o adquirente de unidade responde pelos débitos do alienante, em relação ao condomínio, inclusive multas e juros moratórios”, atribuindo a responsabilidade do pagamento de dívidas condominiais ao titular do direito real, isto é, ao proprietário do bem imóvel, independentemente de qualquer limitação legal ou contratual.
4. A redação original da Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997 não trouxe dispositivos para determinar obrigações ou responsabilidades pelo pagamento de despesas condominiais, tributos e demais encargos incidentes sobre o imóvel objeto da garantia, ficando tais questões a cargo das cláusulas e condições contratuais.
No entanto, já no primórdio houve a inclusão do parágrafo 8º ao artigo 27 da lei (inicialmente pela Medida Provisória nº 2.223/2001, depois pela Lei nº 10.931/2004) para dispor sobre a responsabilidade – contratual – do fiduciante “pelo pagamento dos impostos, taxas, contribuições condominiais e quaisquer outros encargos que recaiam ou venham a recair sobre o imóvel, cuja posse tenha sido transferida para o fiduciário, nos termos deste artigo, até a data em que o fiduciário vier a ser imitido na posse”.
Recentemente, norma de idêntico teor foi incluída ao art. 24 da lei pela Medida Provisória nº 1.162/2023, convertida na Lei 14.620/2023 e derrogada pela Lei nº 14.711/2024 – denotando a preocupação das instituições de crédito imobiliário com a matéria, com a seguinte redação:

§ 2º Nos contratos firmados com cláusula de alienação fiduciária em garantia, caberá ao fiduciante a obrigação de arcar com o custo do pagamento do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana - IPTU incidente sobre o bem e das taxas condominiais existentes.5. Posteriormente, por influência direta das entidades representativas do crédito imobiliário, a Lei nº 13.043/2014 incluiu ao Código Civil o art. 1368-B e seu parágrafo único dispondo sobre a responsabilidade dos contratantes de alienação fiduciária em relação às despesas consideradas propter rem e para determinar que o credor fiduciário “passa a responder pelo pagamento dos tributos sobre a propriedade e a posse, taxas, despesas condominiais e quaisquer outros encargos, tributários ou não, incidentes sobre o bem objeto da garantia, a partir da data em que vier a ser imitido na posse direta do bem.” A redação propositalmente confusa da norma teve a pretensão de afastar a responsabilidade das instituições financeiras pela responsabilidade ou pagamento – principalmente – das quotas condominiais inadimplidas durante a constância do contrato de financiamento imobiliário, para que fossem exigidas pelos condomínios diretamente dos fiduciantes em ações de cobrança próprias. 6. Submetida a questão ao Judiciário emergiu a decisão relatada pela Ministra Nancy Andrighi, no Resp 2.036.289/RS, tornada paradigmática e fundada no seguinte entendimento:
“41. Desse modo, quando o art. 1.345 do CC/2002 atribui a responsabilidade pelo pagamento dos débitos condominiais ao titular de direito real, é evidente que a norma objetiva, na maioria das vezes, responsabilizar o proprietário, com o fim de que ao menos o imóvel possa servir para a satisfação do crédito, pois necessariamente integra o seu patrimônio. 42.Não obstante, é perfeitamente possível que o legislador atribua essa responsabilidade a outro sujeito que não o proprietário, com a finalidade de privilegiar outros interesses em detrimento do condomínio, como fez nos arts. 1.368-B, parágrafo púnico do CC/2002 e 27, § 8º, da Lei nº 9.514/1997, atribuindo-a ao devedor fiduciante enquanto na posse direta do imóvel alienado fiduciariamente, resguardando principalmente a garantia do credor fiduciário. 43. De fato, ao prever que o devedor fiduciante responde pelas despesas condominiais, a norma estabelece que seu patrimônio é que será usado para a satisfação do referido crédito, não incluindo, portanto, o imóvel alienado fiduciariamente, que integra o patrimônio do credor fiduciário. 44. Por essa razão, na espécie, aplica-se a tese de que “não se admite a penhora do bem alienado fiduciariamente em execução promovida por terceiros contra o devedor fiduciante, haja vista que o patrimônio pertence ao credor fiduciário, permitindo-se, contudo, a constrição dos direitos decorrentes do contrato de alienação fiduciária” (Resp 1.677.079/SP, 3ª Turma, DJe 1/10/2018).” (Grifo do autor)Dessa forma, a confusa redação da norma cumpriu seu papel diversionista visto que não há no aludido dispositivo qualquer previsão de responsabilidade do fiduciante pelas despesas condominiais (o que não se confunde com a obrigação contratual de pagamento dessas despesas), assim como, a tese mencionada não admite a penhora do imóvel exclusivamente em execução promovida por terceiros contra o devedor fiduciante (o que também não se confunde com a penhora resultante de ação de cobrança de despesas condominiais, de natureza propter-rem). 7. Finalmente, no final do ano passado, em julgamento do Resp 2.059.278/SC a Quarta Turma retornou a questão aos seus trilhos certos ao decidir pela possibilidade de penhora do bem imóvel alienado fiduciariamente, tendo em vista a natureza da dívida condominial. Com extrema clareza o voto vencedor que deu provimento ao recurso, proferido pelo Ministro Raul Araújo e acompanhado pelos Ministros João Otávio de Noronha, Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira afastou a negativa de penhora decorrente das decisões anteriores, reconhecendo que a solução anterior não se ajusta quando o credor é o próprio condomínio:
“É que relativamente ao próprio condomínio-credor, dada a natureza propter rem das despesas condominiais, nos termos do art. 1.345 do Código Civil de 2002, haverá necessidade de se promover a citação, na ação de execução, também do credor fiduciário no aludido contrato para que venha integrar a lide, possibilitando ao titular do direito previsto no contrato de alienação fiduciária quitar o débito condominial existente e, em ação regressiva, tentar obter do devedor fiduciante o retorno desses valores.”No mesmo sentido e com a mesma clareza dispõe a ementa oficial do acórdão: “1. As normas dos arts. 27, § 8º, da Lei nº 9.514/1997 e 1.368-B, parágrafo único, do CC/2002, reguladoras do contrato de alienação fiduciária de coisa imóvel, apenas disciplinam as relações jurídicas ente os contratantes, sem alcançar relações jurídicas diversas daquelas, nem se sobrepor a direitos de terceiros não contratantes, como é o caso da relação jurídica entre condomínio edilício e condôminos e do direito do condomínio credor de dívida condominial, a qual mantém sua natureza jurídica propter rem. 2. A natureza propter rem se vincula diretamente ao direito de propriedade sobre a coisa. Por isso, se sobreleva ao direito de qualquer proprietário, inclusive do credor fiduciário, pois este, na condição de proprietário sujeito à uma condição resolutiva, não pode ser detentor de maiores direitos que o proprietário pleno. 3. Em execução por dívida condominial movida pelo condomínio edilício é possível a penhora do próprio imóvel que dá origem ao débito, ainda que esteja alienado fiduciariamente, tendo em vista a natureza da dívida condominial, nos termos do art. 1.345 do Código Civil de 2002. 4. Para tanto, o condomínio exequente deve promover também a citação do credor fiduciário, além do devedor fiduciante, a fim de vir aquele integrar a execução para que se possa encontrar a adequada solução para o resgate dos créditos, a qual depende do reconhecimento do dever do proprietário, perante o condomínio, de quitar o débito, sob pena de ter o imóvel penhorado e levado à praceamento. Ao optar pela quitação da dívida, o credor fiduciário se sub-roga nos direitos do exequente e tem regresso contra o condômino executado, o devedor fiduciante. 5. Recurso especial provido. “ * 8. Apesar da precisão, nos parece que a ementa merece alguns reparos quanto ao disposto no parágrafo final. Pelo que se depreende, ao contrário do que ali consta, o condomínio exequente deve promover a citação do credor fiduciário e proprietário do imóvel (condômino e réu) e, também, do fiduciante (litisconsorte necessário passivo). Na condição de proprietário e condômino o credor fiduciário deverá efetuar o pagamento da dívida, sub-rogando-se nos direitos do condomínio exequente, inclusive ao direito de regresso contra o fiduciante, sob pena de praceamento do imóvel, inexistindo a “opção pela quitação da dívida” ali tratada. 9. Pelo exposto, entendemos pela possibilidade de penhora em execução de dívida condominial de imóvel objeto da garantia fiduciária, devendo o proprietário fiduciário (credor) ser citado para a ação, juntamente com o fiduciante (litisconsorte necessário passivo). Mauro Antônio Rocha Advogado especializado em Direito Imobiliário, Notarial, Registral, Crédito e Garantia Imobiliárias. Presidente da AD NOTARE – Academia Nacional de Direito Notarial e Registral. Publicado no Boletim MIGALHAS 5863, de 03/06/2024
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