§ 2º Nos contratos firmados com cláusula de alienação fiduciária em garantia, caberá ao fiduciante a obrigação de arcar com o custo do pagamento do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana - IPTU incidente sobre o bem e das taxas condominiais existentes.5. Posteriormente, por influência direta das entidades representativas do crédito imobiliário, a Lei nº 13.043/2014 incluiu ao Código Civil o art. 1368-B e seu parágrafo único dispondo sobre a responsabilidade dos contratantes de alienação fiduciária em relação às despesas consideradas propter rem e para determinar que o credor fiduciário “passa a responder pelo pagamento dos tributos sobre a propriedade e a posse, taxas, despesas condominiais e quaisquer outros encargos, tributários ou não, incidentes sobre o bem objeto da garantia, a partir da data em que vier a ser imitido na posse direta do bem.” A redação propositalmente confusa da norma teve a pretensão de afastar a responsabilidade das instituições financeiras pela responsabilidade ou pagamento – principalmente – das quotas condominiais inadimplidas durante a constância do contrato de financiamento imobiliário, para que fossem exigidas pelos condomínios diretamente dos fiduciantes em ações de cobrança próprias. 6. Submetida a questão ao Judiciário emergiu a decisão relatada pela Ministra Nancy Andrighi, no Resp 2.036.289/RS, tornada paradigmática e fundada no seguinte entendimento:
“41. Desse modo, quando o art. 1.345 do CC/2002 atribui a responsabilidade pelo pagamento dos débitos condominiais ao titular de direito real, é evidente que a norma objetiva, na maioria das vezes, responsabilizar o proprietário, com o fim de que ao menos o imóvel possa servir para a satisfação do crédito, pois necessariamente integra o seu patrimônio. 42.Não obstante, é perfeitamente possível que o legislador atribua essa responsabilidade a outro sujeito que não o proprietário, com a finalidade de privilegiar outros interesses em detrimento do condomínio, como fez nos arts. 1.368-B, parágrafo púnico do CC/2002 e 27, § 8º, da Lei nº 9.514/1997, atribuindo-a ao devedor fiduciante enquanto na posse direta do imóvel alienado fiduciariamente, resguardando principalmente a garantia do credor fiduciário. 43. De fato, ao prever que o devedor fiduciante responde pelas despesas condominiais, a norma estabelece que seu patrimônio é que será usado para a satisfação do referido crédito, não incluindo, portanto, o imóvel alienado fiduciariamente, que integra o patrimônio do credor fiduciário. 44. Por essa razão, na espécie, aplica-se a tese de que “não se admite a penhora do bem alienado fiduciariamente em execução promovida por terceiros contra o devedor fiduciante, haja vista que o patrimônio pertence ao credor fiduciário, permitindo-se, contudo, a constrição dos direitos decorrentes do contrato de alienação fiduciária” (Resp 1.677.079/SP, 3ª Turma, DJe 1/10/2018).” (Grifo do autor)Dessa forma, a confusa redação da norma cumpriu seu papel diversionista visto que não há no aludido dispositivo qualquer previsão de responsabilidade do fiduciante pelas despesas condominiais (o que não se confunde com a obrigação contratual de pagamento dessas despesas), assim como, a tese mencionada não admite a penhora do imóvel exclusivamente em execução promovida por terceiros contra o devedor fiduciante (o que também não se confunde com a penhora resultante de ação de cobrança de despesas condominiais, de natureza propter-rem). 7. Finalmente, no final do ano passado, em julgamento do Resp 2.059.278/SC a Quarta Turma retornou a questão aos seus trilhos certos ao decidir pela possibilidade de penhora do bem imóvel alienado fiduciariamente, tendo em vista a natureza da dívida condominial. Com extrema clareza o voto vencedor que deu provimento ao recurso, proferido pelo Ministro Raul Araújo e acompanhado pelos Ministros João Otávio de Noronha, Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira afastou a negativa de penhora decorrente das decisões anteriores, reconhecendo que a solução anterior não se ajusta quando o credor é o próprio condomínio:
“É que relativamente ao próprio condomínio-credor, dada a natureza propter rem das despesas condominiais, nos termos do art. 1.345 do Código Civil de 2002, haverá necessidade de se promover a citação, na ação de execução, também do credor fiduciário no aludido contrato para que venha integrar a lide, possibilitando ao titular do direito previsto no contrato de alienação fiduciária quitar o débito condominial existente e, em ação regressiva, tentar obter do devedor fiduciante o retorno desses valores.”No mesmo sentido e com a mesma clareza dispõe a ementa oficial do acórdão: “1. As normas dos arts. 27, § 8º, da Lei nº 9.514/1997 e 1.368-B, parágrafo único, do CC/2002, reguladoras do contrato de alienação fiduciária de coisa imóvel, apenas disciplinam as relações jurídicas ente os contratantes, sem alcançar relações jurídicas diversas daquelas, nem se sobrepor a direitos de terceiros não contratantes, como é o caso da relação jurídica entre condomínio edilício e condôminos e do direito do condomínio credor de dívida condominial, a qual mantém sua natureza jurídica propter rem. 2. A natureza propter rem se vincula diretamente ao direito de propriedade sobre a coisa. Por isso, se sobreleva ao direito de qualquer proprietário, inclusive do credor fiduciário, pois este, na condição de proprietário sujeito à uma condição resolutiva, não pode ser detentor de maiores direitos que o proprietário pleno. 3. Em execução por dívida condominial movida pelo condomínio edilício é possível a penhora do próprio imóvel que dá origem ao débito, ainda que esteja alienado fiduciariamente, tendo em vista a natureza da dívida condominial, nos termos do art. 1.345 do Código Civil de 2002. 4. Para tanto, o condomínio exequente deve promover também a citação do credor fiduciário, além do devedor fiduciante, a fim de vir aquele integrar a execução para que se possa encontrar a adequada solução para o resgate dos créditos, a qual depende do reconhecimento do dever do proprietário, perante o condomínio, de quitar o débito, sob pena de ter o imóvel penhorado e levado à praceamento. Ao optar pela quitação da dívida, o credor fiduciário se sub-roga nos direitos do exequente e tem regresso contra o condômino executado, o devedor fiduciante. 5. Recurso especial provido. “ * 8. Apesar da precisão, nos parece que a ementa merece alguns reparos quanto ao disposto no parágrafo final. Pelo que se depreende, ao contrário do que ali consta, o condomínio exequente deve promover a citação do credor fiduciário e proprietário do imóvel (condômino e réu) e, também, do fiduciante (litisconsorte necessário passivo). Na condição de proprietário e condômino o credor fiduciário deverá efetuar o pagamento da dívida, sub-rogando-se nos direitos do condomínio exequente, inclusive ao direito de regresso contra o fiduciante, sob pena de praceamento do imóvel, inexistindo a “opção pela quitação da dívida” ali tratada. 9. Pelo exposto, entendemos pela possibilidade de penhora em execução de dívida condominial de imóvel objeto da garantia fiduciária, devendo o proprietário fiduciário (credor) ser citado para a ação, juntamente com o fiduciante (litisconsorte necessário passivo). Mauro Antônio Rocha Advogado especializado em Direito Imobiliário, Notarial, Registral, Crédito e Garantia Imobiliárias. Presidente da AD NOTARE – Academia Nacional de Direito Notarial e Registral. Publicado no Boletim MIGALHAS 5863, de 03/06/2024