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quinta-feira, 1 de maio de 2008

Habitação social: temas da produção contemporânea

Um panorama recente da habitação social no Brasil

A constituição de uma política habitacional não é tarefa fácil, principalmente em um país sem tradição de políticas públicas, que pressupõem uma estrutura, planejamento e continuidade.
A omissão do Estado, o desinteresse circunstancial do mercado, as dinâmicas da cidade contemporânea e o empobrecimento da população nesse momento de reestruturação da produção e do papel desempenhado pelas cidades, têm gerado conflitos importantes entre as condições colocadas pelas cidades e as possibilidades de se viver nelas.
O intenso processo de metropolização brasileiro, acompanhado das características acima descritas, tem hoje, como resultado, um déficit avaliado em 7,2 milhões de moradias, onde 88,2% deste déficit correspondem a famílias com até 5 salários mínimos. Cerca de 70% da produção de habitação têm ocorrido fora do mercado formal, 4,6 milhões de domicílios estão vagos, essencialmente em áreas centrais de aglomerados urbanos, e 79% dos recursos do FGTS têm sido destinados à população com renda acima de 5 salários mínimos (1).
Neste período, pós anos 80, os problemas ambientais intensificaram-se, a população construiu – por sua conta e risco – sua moradia e, entre 1991 e 2000, o aumento do número de domicílios em favelas foi de 717 mil ou 22,5% (2).
Os cortiços das áreas centrais são o termômetro de um processo de desvalorização dos centros históricos – memória de um tempo da cidade que não interessa aos negócios do mundo neoliberal.
Entender esses processos significa não apenas reconhecê-los, mas dirigir ações decisivas – que envolvam discussão acerca das formas de expansão das cidades, das oportunidades de localização, de acesso a terra e às linhas de financiamento – que sejam dirigidas à diversidade social, à necessária revisão programática, às formas de produção e à qualidade do projeto urbanístico e arquitetônico.
As políticas públicas, voltadas à habitação, deveriam refletir a complexidade produzida nas cidades, revendo modelos antigos que são não apenas anacrônicos, como também totalmente inadequados no que se refere à otimização das infra-estruturas, às perspectivas de expansão e as densidades urbanas.
O modelo da casa isolada no lote, dos conjuntos habitacionais implantados pelo Estado em áreas distantes e sem urbanidade, a repetição de tipologias, as baixas densidades e a não racionalização da obra perduram como hipóteses falidas nas cidades brasileiras de hoje.
Diferentes agentes sociais compõem a produção da cidade e estão envolvidos com a discussão das condições de seu presente e suas possibilidades futuras.
Uma política urbana e habitacional faz-se a partir – se não de processos radicais transformadores – de uma equalização desses agentes, em que o Estado desempenha papel fundamental. Regulamenta o mercado, viabiliza recursos, demanda leis, cria políticas que possibilitem projetos de qualidade, boas obras construídas, intermediando os interesses de classe.
Que alternativas ao crescimento das cidades, às políticas públicas, à habitação social foram apontadas a partir da década de 80 no Brasil?
O que se fez de fato para a humanização dos territórios, da vida cotidiana, da constituição da cidade, no que diz respeito à existência coletiva nesse período?
Algumas conquistas políticas e sociais, tais como a aprovação do Estatuto das Cidades (2001) e seus instrumentos urbanísticos voltados à função social da propriedade, a obrigatoriedade dos Planos Diretores para as cidades com mais de 20.000 habitantes e a criação das ZEIS, a implementação do orçamento participativo em algumas prefeituras e as tentativas de estruturação de novas linhas de financiamento adequadas à habitação social, têm-se apresentado como alternativas muito importantes à revisão da condução de processos urbanos.
Porém, esses “mecanismos” de recente elaboração e regulamentação, ainda pouco se traduziram em efetivas realizações, frente às demandas, às diferenças sociais, à complexidade territorial e à dívida do Estado para com a sociedade.
O papel dos intelectuais perante a realidade urbana em transformação sempre foi uma importante questão teórica, colocada tanto sob a perspectiva do entendimento dos complexos processos presentes nas cidades quanto sob a possibilidade de se equacionar ações.
O tema da habitação, extremamente central para a reestruturação dos territórios urbanos pós-revolução industrial, desencadeou estudos sistemáticos (unidade mínima, gabaritos, densidades, etc.) que compuseram verdadeiras utopias urbanas na Europa do entre guerras, por exemplo.
Apesar das utopias terem sido condenadas ao desaparecimento no mundo contemporâneo, onde a riqueza para se reproduzir, prescinde dos homens ou, pelo menos, de boa parcela deles, desencadeando uma vez mais, territórios segregados, as estratégias políticas e de projeto precisam ser apontadas, com a perspectiva de melhor distribuição das benesses urbanas.
Considerando-se a extensão do período estudado na pesquisa (cerca de vinte anos) e a enorme demanda por habitação, a produção de alternativas de qualidade arquitetônica e urbanística foi pequena quando se constata o potencial profissional que se tem, quando se observa a organização social dos movimentos por moradia que se constituiu, a pressão desencadeada pelos conflitos urbanos e os problemas ambientais causados pela ocupação desordenada.
Entretanto, há exemplos e experiências fascinantes, que instigam discussão e criam referenciais, há programas que estruturaram ações a partir de alguns princípios norteadores, discutidos e fortes.
Há tentativas de resolução de problemas, a partir do caos urbano gerado pela omissão do Estado ou deliberada ação, que colocou para as populações pobres as piores condições urbanas, que foram apropriadas com esforço próprio e sobretrabalho.
Também se atribuiu valor, nestas últimas décadas, a trechos do território das cidades, a partir de experiências pontuais, que, através do esforço dos movimentos organizados, de administrações progressistas ou de novos programas federais, puderam se concretizar em projetos diferenciados, revelando possibilidades – ainda que de exceção – de se constituir cidade, casa e espaço de convívio.
Todos os projetos apresentados a seguir trazem à tona temas que contribuem para a retomada da discussão da habitação social, sobre novas bases, construindo mesmo que pontualmente, alternativas importantes e claras na escala da cidade e da tipologia habitacional.
Não se esgotaram os exemplos possíveis – e muito menos as questões em pauta – mas, a partir da pesquisa realizada, foram recortados alguns aspectos da realidade urbana a partir da habitação. Algumas destas experiências são aqui apresentadas, conformando um panorama de projetos recentes e estruturando um quadro referencial que objetiva contribuir para as atividades didáticas, para os processos de elaboração projetual, para as discussões dos movimentos sociais e talvez, ainda, contribuir para a construção de diretrizes de Políticas Públicas e de financiamento habitacional.
(Para ler o artigo na íntegra)

Autora: Dra. Lizete Maria Rubano, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Mackenzie, é coordenadora do grupo de pesquisa Vida Associada: habitação coletiva e cidade.São co-autores Aline Fidalgo Yamamoto, André Mazzer Constantino, Fábio Steiner Rocha, Giulliano Pandori Giancoli, Hamilcar Boucinhas, Letizia Vitale, Lilian Regina Machado de Oliveira, Lizete Maria Rubano, Mário Sérgio Nader e Simone Pereira Campagnucci.

Portal Vitruvius, Arquitextos 095, textos especiais 469, abril, 2008.