domingo, 4 de janeiro de 2015

PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA


"Verdade seja dita: o programa federal de habitação é um desastre do ponto de vista urbanístico e arquitetônico, a urgência da demanda não justifica construir guetos periféricos, sem se preocupar com a qualidade de vida, de desenho e integração de usos e rendas." (Fernando Serapião, Ilustríssima, FSP, 4/1/2015)

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

domingo, 23 de novembro de 2014

A LEI, ORA A LEI!



O Estado de Direito é o Estado sob a lei. Essa a visão singela que prepondera na cultura jurídica. A lei continua a ser o parâmetro de comportamento da sociedade civilizada. Só que a lei contemporânea foi perdendo a sua sacralidade. Por uma série de fatores. Primeiro, porque ela é abundante. Tudo está disciplinado pela lei.
O legalismo é um labirinto que de vez em sempre sufoca a Justiça. Depois, a lei se afastou daquele ideal de ser relação necessária extraída da natureza das coisas. A fonte do direito positivo seria o direito natural, os princípios da razão e os costumes dos tempos imemoriais. Foi baseado nessa concepção que Tomás de Aquino afirmou: “uma lei injusta não é lei”.
Pois “todo direito positivo humano contém a natureza do direito na medida em que se origina do Direito Natural. Entretanto, se em algum ponto ele entrar em conflito com a lei da natureza, não será mais direito, e sim uma perversão do direito”. Não é difícil, encontrar na República do Brasil de hoje algumas leis que entram em conflito com a lei da natureza.
Lei da natureza que é, obviamente, superior a qualquer outra. Parece refluir a ideia de que há limites jurídicos no direito em si e que os legisladores são legalmente vinculados ao direito supremo. O que aconteceu em relação à lei? Começou-se a duvidar da existência de princípios morais objetivos.
A população tornou-se culturalmente heterogênea e com diferenciação de classes. Grupos com interesses econômicos conflitantes, uma economia cada vez mais especializada, regimes regulatórios complexos. E, finalmente, o desencanto geral com o mundo no século XX.
A partir daí, as únicas restrições a serem levadas em conta sobre a legislação foram as encontradas na Constituição. Mas a Constituição brasileira é analítica. Trata de tudo e abriga princípios antípodas. Reduzida a crença no Direito Natural, só é direito aquilo que está na Constituição. E tudo está no texto constitucional. Daí a multiplicidade de leituras possível de ser feita em relação a um único e mesmo texto legal.
Vive-se a República da Hermenêutica, pois as interpretações são todas possíveis, desde que fundamentadas. Escolhe-se jurisprudência à la carte nos Tribunais brasileiros. E a lei, embora sempre citada, é um símbolo cada vez mais fluido, ambíguo e impreciso. Acabou-se o fetiche da lei.

JOSÉ RENATO NALINI é presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para o biênio 2014/2015. E-mail: jrenatonalini@uol.com.br, publicado em 23/11/2014 em http://renatonalini.wordpress.com

sábado, 25 de outubro de 2014

DIVULGAÇÃO



O livro "FGTS - Como usar o dinheiro do FGTS para comprar a casa própria" é um instrumento de grande valia para todo aquele - corretor de imóveis, construtor, incorporador, comprador ou vendedor, que pretenda comprar ou vender imóvel residencial com utilização dos recursos do FGTS.
Todo trabalhador tem uma conta no FGTS onde são depositados, mensalmente, o valor equivalente a 8% da remuneração recebida e que pode ser sacada quando da demissão sem justa causa, aposentadoria ou morte do trabalhador.
Esse dinheiro é investido pelo Governo Federal no financiamento da construção e aquisição de moradias populares, saneamento e infraestrutura urbana. Mas o trabalhador também pode - a qualquer tempo - usar esses recursos para comprar sua casa própria e para pagar até 80% da prestação do financiamento imobiliário, amortizar e até liquidar o saldo devedor de seu contrato.
O objetivo deste livro é divulgar e facilitar o entendimento pelo trabalhador e por todos aqueles que participam do negócio imobiliário das inúmeras normas de utilização do dinheiro do FGTS na compra da moradia própria pelo trabalhador.



FGTS - Como usar o dinheiro do FGTS para comprar a casa própria
Autor: Mauro Antônio Rocha
À venda em www.amazon.com.br
Preço: R$ 17,02

RESTAM POUCAS VAGAS


segunda-feira, 6 de outubro de 2014

FGTS: Uma história de gatos e gatunos. Parte final de uma estranha história.



Última parte da reportagem publicada na Revista República, em março/2001, com o título “FGTS: o pulo do gato”.

FHC vai pagar

Os planos do governo para repor os R$ 43 bilhões exigidos pelo Supremo Tribunal Federal levam em conta a recuperação crescente da economia, a necessidade política de o governo não perder pontos na credibilidade e o fato de 2002 ser um ano eleitoral. As urnas vão chamar os votos para a Presidência da República, governos estaduais e Congresso.

ANO ELEITORAL. O significado desse coquetel eleitoral é que o governo deixará as dificuldades técnicas por conta da Caixa Econômica Federal e adotará a decisão política óbvia: mandar pagar a qualquer preço. República-Primeira Leitura apurou que a Caixa está preparada para cumprir a ordem, independentemente de conseguir preencher todos os requisitos técnicos.

Um detalhe que foge aos mortais e nem sequer é noticiado no dia-a-dia: por onde andam os extratos das contas dos trabalhadores que até abril de 1991 estavam espalhados por duas centenas de bancos, antes de sua centralização na Caixa? Essas contas foram repassadas a ela só com o saldo, mas sem os extratos que, quando existem, estão em arquivos literalmente mortos. Tão mortos que alguns bancos cobram até R$ 50 por um extrato de quem, de olho na briga judicial pelo dinheiro do FGTS, procura ter à mão o histórico completo da conta do fundo. Poucos bancos passaram os extratos para fitas magnéticas ou qualquer outro sistema eletrônico de fácil manuseio e consulta rápida. A maioria dorme em fichas de cartolina embaladas em caixas de papelão, guardadas em galpões tomados pelo pó dos tempos.

Para saber quanto exatamente os governos Sarney e Collor tungaram de cada conta em 1989 e 1990, seria necessário que a Caixa tivesse esses extratos. Pedido que, se for feito hoje aos bancos, não será satisfeito. Não prontamente, pelo menos, mesmo que os extratos existam, uma vez que, por lei, os bancos são obrigados a manter os históricos das contas por um prazo de 30 anos.

Um “probleminha” adicional: se os bancos enviassem todos os extratos para a Caixa, seria preciso mobilizar um exercito de digitadores por um período que poderia ultrapassar o mandato de um presidente. Afinal o total de contas centralizadas na Caixa chegou a 54,5 milhões, quase o mesmo número da população inteira da Itália.

A solução política para esse impasse técnico está no perfil das contas ativas com saldo no FGTS – 90% delas receberão, como manda o Supremo Tribunal Federal, menos de R$ 1 mil, o que soma pouco mais de R$ 7 bilhões. Os outros 10% das contas é que são a parte dolorosa – R$ 33 bilhões. O planejado no governo é mandar pagar logo aos “bagrinhos” e acertar juridicamente o pagamento dos “tubarões”.

Em outras palavras: o governo quer resolver o problema da massa eleitoral e negociar com os “ricos”, que são formadores de opinião, mas que podem ser jogados contra a patuléia. Para os detentores do grosso da dívida, o governo não quer apenas dizer que pagará em suaves prestações e de quando em quando. Quer que isso vire uma norma jurídica para evitar uma nova batalha nos tribunais.

Outra possibilidade sobre a mesa do ministro Francisco Dornelles (Trabalho), para começar logo a desembrulhar o pacote do FGTS e a receber os dividendos da promessa eleitoral feita por FHC em plena campanha das eleições municipais, no ano passado, é o governo assumir de imediato o pagamento da correção de 87,74% das contas, aquelas que tem a receber até R$ 500. FHC sairia como benfeitor de uma dívida contraída por governos anteriores e a um custo desprezível, menos de R$ 5 bilhões.

FIM (Revista República, Ano 5, nº 53, março de 2001, páginas 20 a 27.)

domingo, 5 de outubro de 2014

FGTS: Uma história de gatos e gatunos. Penúltima parte de uma estranha história.



Todo o mundo meteu a mão

A penúltima parte de uma estranha história

“O FGTS foi usado para toda forma de bandalheira. Sucessivos governos fizeram populismo com o dinheiro alheio. E agora a conta é cobrada. Os descaminhos políticos são fundamentais na acidentada trajetória do FGTS, concebido em 1966 com o intuito de substituir o conceito de estabilidade no emprego, predominante na legislação trabalhista da época. O Fundo de Garantia acabou se convertendo em instrumento de autopromoção relâmpago para os poderosos de plantão.”

Mais de uma vez, durante o regime militar (1964-1985), ministros que se revezavam no poder não hesitaram em ignorar a espiral inflacionária e, de uma canetada, amenizaram a corrosão da moeda e a correção das prestações da casa própria financiadas com pelo dinheiro do FGTS. A prática acabou contaminando gestões que passaram pelas urnas. O governo Collor, por exemplo, tratou de liquidar o que restava no cofre ao superestimar o retorno dos investimentos (principalmente financiamento para a casa própria e saneamento). A bravata acabou provocando, nos anos posteriores, um saldo negativo na conta do fundo.
Só para se ter uma ideia do nível de dilapidação do patrimônio do fundo, em 1990, seus ativos somavam R$ 22,8 bilhões, aplicados preferencialmente em habitação, saneamento e infra-estrutura urbana. Em 1991, as contratações (novos empreendimentos) superaram em 147% as do ano anterior. As liberações e desembolsos ultrapassaram em quatro vezes a arrecadação líquida das contribuições, gerando um enorme desequilíbrio financeiro. Já no início de 1992, o que restou em caixa (US$ 1,4 bilhão) estava exaurido.

A situação superavitária do fundo inverteu-se completamente em 1992, quando sua arrecadação líquida ficou negativa em R$ 34 milhões, agravada pelo fato de os desembolsos continuarem ocorrendo ao mesmo nível estratosférico de 1991. O aporte de US$ 172 milhões por parte de uma instituição financeira internacional serviu apenas para que a Caixa Econômica Federal pudesse honrar compromissos emergenciais.
Sócios da União na gestão temerária do fundo, outras esferas da administração pública (Estados e municípios) continuavam contratando os recursos para declarar, em seguida, sua inadimplência. A saída era rolar os compromissos, Pior: com a rolagem, novos créditos eram concedidos com base em garantias não divulgadas e certamente inconsistentes.

Em 1993, com os recursos já no limite, instituiu-se a Lei nº 8.727, que estabeleceu as bases para o reescalonamento das dívidas internas dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios. A operação permitiu o refinanciamento de um montante de R$ 16,8 bilhões, cobrindo o correspondente a 74% dos contratos refinanciáveis com recursos da Caixa e 89% dos contratos refinanciáveis do FGTS.
Por esse acordo, ficou estabelecido que parte dos 13% dos recursos do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) seriam retidos para pagar a parcela prevista no reescalonamento das dívidas. O teto de 13% variava conforme a situação financeira de cada esfera administrativa. Assim, somente em março de 1994 os recursos investidos voltaram a ter retorno.

OBJETIVO PERDIDO. A ideia de beneficiar, a custos reduzidos, o maior bem de que a sociedade pode dispor, a casa própria, foi lançada por terra pelo uso político e, por que não dizer?, eleitoreiro, dos recursos públicos. Isso pode ser observado no nanismo de que foi vítima o sistema. De 1985 a 1996 foram aplicados R$ 11,5 bilhões, que permitiram construir 2,6 bilhões de unidades habitacionais em benefício de 13 milhões de pessoas.
No período de 1986 a 1994, esse montante caiu para R$ 7,6 bilhões, que serviram para construir 791,3 mil unidades, beneficiando 3,9 milhões de pessoas. No biênio 1995-1996, foram gastos em habitação somente R$ 101 milhões, para construção de 17 mil moradias, em benefício de 85,9 mil pessoas. Vale dizer: a irresponsabilidade política tirou do FGTS a sua principal razão de ser. Um desastre!

(Continua…)

(Revista República, Ano 5, nº 53, março de 2001, páginas 20 a 27.)

sábado, 4 de outubro de 2014

FGTS: Uma história de gatos e gatunos. 4ª parte de uma estranha história.



A quarta parte de uma estranha história

Nos capítulos anteriores (logo abaixo) vimos como o Governo empurrou para os empresários e empregados a conta do prejuízo causado ao FGTS pelo expurgo sofrido pelos Planos Verão e Collor 1. Vimos como “o governo recorreu às mais extravagantes manobras para esconder um fato óbvio: o gato que comeu o dinheiro do fundo chama-se Tesouro, que é quem tinha de arcar com o custo.”
O Tesouro, responsável pelo FCVS, teria a responsabilidade de cobrir, no mínimo, 63% da correção, ficando o restante na conta dos demais devedores do FGTS, as prefeituras, os Estados e o próprio governo federal.


NÚMEROS. Os números (apresentados nos capítulos anteriores) mostram o motivo de o governo apresentar essas soluções tão mirabolantes quanto equivocadas. Pois, sim, é essencialmente o Tesouro que deve ao FGTS.
E é disso que se trata. E é justamente disso que, parece, o governo não quer tratar, numa nova leitura da velha frase: “Devo, não nego, pago quando puder”. O que Dornelles diz é: “Devo? Só pago quando me provarem”. Mas, se o dinheiro sumiu, como no livro, o sorriso do gato de Alice ainda permanece visível. E o que ele mostra é que uma MP do próprio governo é a confissão de dívida: a que criou a novação da dívida do FCVS.

Dito de outra forma, quando se tratava de assumir um “esqueleto” que poderia provocar uma quebradeira em efeito dominó do sistema financeiro, o governo foi criativo, responsável e cuidadoso; e, agora, quando se trata do FGTS, quando se trata do bolso dos trabalhadores com carteira assinada, aparentemente, o governo quer ser apenas criativo e espertinho.
Tão espertinho quem magnânimo, anunciou perto de uma eleição, a municipal, que todos os cotistas do FGTS teriam a mesma correção; e deve anunciar perto de outra, a presidencial, que pagará, em um arroubo cristão, ao menos a dívida total de 87,74% dos cotistas. Ela soma R$ 5 bilhões. E como vai pagar isso? Com recursos do Tesouro, provavelmente antecipando o pagamento de parte da dívida do FCVS. Assim, fará o que deve fazer, mas não como o que é, uma obrigação, mas como uma ação política de justiça social.
Até lá, o governo, como o gato de Alice, vai querer desaparecer, mas o sorriso permanecerá visível e não exatamente nos lábios de Dornelles. E, claro, se assim ocorrer, vai dar uma nova mordidinha no contribuinte a pretexto de colaborar para que o rombo do FGTS – este que apareceu na decisão do STF – seja equacionado com o dinheiro alheio, ou seja, o nosso. Ele sabe: quanto maior for a mordidinha, menor será, no fim, o dinheiro que sairá do Tesouro.

DESPREPARO. Um dado importantíssimo revelado pelo debate sobre o FGTS foi o absoluto despreparo técnico demonstrado pelas centrais sindicais, sindicatos patronais e outras entidades ligadas ao capital e ao trabalho. Todas elas, mais ou menos, caíram no conto da dupla FHC-Dornelles e desconsideraram o dado mais relevante: o primeiro passo a ser dado pelo governo, se quiser resolver a questão, é fazer a correção dos ativos.

Cumprida essa etapa, vai-se verificar qual é a origem do problema. E aí, o que está demonstrado por República-Primeira Leitura é que cabe ao Tesouro descascar o abacaxi, já que foi ele que praticou a lambança com o dinheiro do Fundo.
O representante da CUT, João Vaccari, cumpre a sua parte ao anunciar protestos e manifestações, mas a CUT, até agora, não chegou ao centro da questão. Ao propor passeatas, assembleias e ações na Justiça, acusa: “O governo está apenas enrolando os trabalhadores”. É verdade. A questão é saber como se dá essa enrolação. CUT, sua arquiinimiga Força Sindical e CGT fecharam em torno fr uma proposta no mínimo exótica: querem o aumento da contribuição ao FGTS, por parte das empresas, dos atuais 8% para 9%, a criação de um adicional de Imposto de Renda para os bancos e o aumento da multa paga ao FGTS, por demissão imotivada, de 40% para 60%.

Também os empresários, ignorando o problema real, caíram no conto de arrumar caixa para o FGTS. O presidente da Confedereção Nacional dos Transportes (CNT), Clésio Andrade, por exemplo, propõe que se retire 20% da arrecadação do PIS-Pasep da Desvinculação dos Recursos da União (DRU). Isso daria algo em torno de R$ 15 bilhões, pagos em até sete anos aos detentores das contas. “A segunda opção seria a transferência de ações de estatais para essas contas, que seriam remuneradas com o lucro posterior decorrente da venda desses papéis”, diz. Até agora, muito barulho por nada.

(Continua…)

(Revista República, Ano 5, nº 53, março de 2001, páginas 20 a 27.)

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

FGTS: Uma história de gatos e gatunos. 3ª parte de uma estranha história.



A seguir a 3ª parte da reportagem publicada na Revista República, em março/2001, com o título “FGTS: o pulo do gato”.

FGTS: Todo o mundo meteu a mão

“O FGTS foi usado para toda forma de bandalheira. Sucessivos governos fizeram populismo com o dinheiro alheio. E agora a conta é cobrada. Os descaminhos políticos são fundamentais na acidentada trajetória do FGTS, concebido em 1966 com o intuito de substituir o conceito de estabilidade no emprego, predominante na legislação trabalhista da época. O Fundo de Garantia acabou se convertendo em instrumento de autopromoção relâmpago para os poderosos de plantão.”

Mais de uma vez, durante o regime militar (1964-1985), ministros que se revezavam no poder não hesitaram em ignorar a espiral inflacionária e, de uma canetada, amenizaram a corrosão da moeda e a correção das prestações da casa própria financiadas com pelo dinheiro do FGTS. A prática acabou contaminando gestões que passaram pelas urnas. O governo Collor, por exemplo, tratou de liquidar o que restava no cofre ao superestimar o retorno dos investimentos (principalmente financiamento para a casa própria e saneamento). A bravata acabou provocando, nos anos posteriores, um saldo negativo na conta do fundo.
Só para se ter uma ideia do nível de dilapidação do patrimônio do fundo, em 1990, seus ativos somavam R$ 22,8 bilhões, aplicados preferencialmente em habitação, saneamento e infra-estrutura urbana. Em 1991, as contratações (novos empreendimentos) superaram em 147% as do ano anterior. As liberações e desembolsos ultrapassaram em quatro vezes a arrecadação líquida das contribuições, gerando um enorme desequilíbrio financeiro. Já no início de 1992, o que restou em caixa (US$ 1,4 bilhão) estava exaurido.
A situação superavitária do fundo inverteu-se completamente em 1992, quando sua arrecadação líquida ficou negativa em R$ 34 milhões, agravada pelo fato de os desembolsos continuarem ocorrendo ao mesmo nível estratosférico de 1991. O aporte de US$ 172 milhões por parte de uma instituição financeira internacional serviu apenas para que a Caixa Econômica Federal pudesse honrar compromissos emergenciais.
Sócios da União na gestão temerária do fundo, outras esferas da administração pública (Estados e municípios) continuavam contratando os recursos para declarar, em seguida, sua inadimplência. A saída era rolar os compromissos, Pior: com a rolagem, novos créditos eram concedidos com base em garantias não divulgadas e certamente inconsistentes.
Em 1993, com os recursos já no limite, instituiu-se a Lei nº 8.727, que estabeleceu as bases para o reescalonamento das dívidas internas dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios. A operação permitiu o refinanciamento de um montante de R$ 16,8 bilhões, cobrindo o correspondente a 74% dos contratos refinanciáveis com recursos da Caixa e 89% dos contratos refinanciáveis do FGTS.
Por esse acordo, ficou estabelecido que parte dos 13% dos recursos do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) seriam retidos para pagar a parcela prevista no reescalonamento das dívidas. O teto de 13% variava conforme a situação financeira de cada esfera administrativa. Assim, somente em março de 1994 os recursos investidos voltaram a ter retorno.

OBJETIVO PERDIDO. A ideia de beneficiar, a custos reduzidos, o maior bem de que a sociedade pode dispor, a casa própria, foi lançada por terra pelo uso político e, por que não dizer?, eleitoreiro, dos recursos públicos. Isso pode ser observado no nanismo de que foi vítima o sistema. De 1985 a 1996 foram aplicados R$ 11,5 bilhões, que permitiram construir 2,6 bilhões de unidades habitacionais em benefício de 13 milhões de pessoas.
No período de 1986 a 1994, esse montante caiu para R$ 7,6 bilhões, que serviram para construir 791,3 mil unidades, beneficiando 3,9 milhões de pessoas. No biênio 1995-1996, foram gastos em habitação somente R$ 101 milhões, para construção de 17 mil moradias, em benefício de 85,9 mil pessoas. Vale dizer: a irresponsabilidade política tirou do FGTS a sua principal razão de ser. Um desastre!

(Continua…)

(Revista República, Ano 5, nº 53, março de 2001, páginas 20 a 27.)

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

FGTS: Uma história de gatos e gatunos. A segunda parte de uma estranha história



No capítulo anterior (logo abaixo) vimos que o governo empurrou para os empresários e empregados a conta do do prejuízo causado ao FGTS pelo expurgo sofrido pelos Planos Verão e Collor 1.
Vimos, também, como "o governo recorreu às mais extravagantes manobras para esconder um fato óbvio: o gato que comeu o dinheiro do fundo chama-se Tesouro, que é quem tinha de arcar com o custo."


A HISTÓRIA. O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço foi criado pela Lei nº 5.107, de 1966, para a) assegurar ao trabalhador optante a formação de um pecúlio relativo ao tempo de serviço; b) formar um fundo de recursos para o financiamento de programas de habitação popular, de saneamento básico e de infra-estrutura urbana.
Segundo o desenho original, o fundo receberia depósitos mensais, efetivados pelos empregadores em nome dos empregados, no valor de 8% da sua remuneração, representando 1,067 salário por ano. A conta de cada trabalhador inscrito teria correção monetária mais juros de 3% ao ano. Ou seja, havia um compromisso de remuneração. A correção monetária foi, por conta dos planos de estabilização, substituída pela TR (Taxa Referencial de Juros).

E assim, o fundo funcionava.

Recebia o dinheiro depositado pelos empregadores, depositava-os na conta dos respectivos trabalhadores e remunerava seus saldos. Ora, para pagar a correção (TR) mais juros anuais de 3%, o FGTS aplicava os recursos arrecadados. Ou seja, fazia ativos com eles. E como aplicava seus recursos? Financiando habitação popular e obras de saneamento e infra-estrutura.
Eram empréstimos que pagavam juros variáveis, mas todos, sem exceção, sofriam a mesma correção monetária (hoje em dia TR).
Segundo o balanço do FGTS de setembro de 2000, os ativos eram compostos de R$ 731,1 milhões em conta-depósito, R$ 11,8 bilhões aplicados em títulos federais de liquidez, R$ 1,1 bilhão em créditos vinculados, R$ 67,9 bilhões em operações de crédito e R$ 2,1 bilhões em títulos do FCVS (Fundo de Compensação de Variações Salariais). Os empréstimos foram distribuídos da seguinte maneira: R$ 43,6 bilhões em habitação, R$ 21,7 bilhões em saneamento e R$ 5,2 bilhões em obras de infra-estrutura.

E, incrível, apesar de o STF ter mandado corrigir o saldo do FGTS, em nenhum momento o governo ordenou que se corrigissem pelo mesmo percentual as aplicações feitas com recursos do fundo. E deveria. Ao não fazê-lo, o fundo quebra; ao fazê-lo, descobre-se o óbvio: não vai se acertar a conta do FGTS mexendo em seus passivos (o que deve, ao fim e ao cabo, aos trabalhadores), mas nos seus ativos - aqueles que, enfim, asseguram a remuneração dos recursos aplicados.

Corrigindo-se ativos e passivos pelo mesmo percentual estabelecido pela Justiça, de fato, não há um rombo, mas um problema de caixa. E caixa, qualquer empresa sabe, se faz cobrando dívidas e/ou vendendo ativos.

FCVS. Diz o bom senso que esse deveria ser o passo inicial do processo. O passo que o governo se recusa a dar. O gato de Alice entende o motivo dessa aparente distrofia cerebral. E ela atende pelo nome de FCVS.
Tal expediente foi criado em 1967 para resolver um problema: as prestações do mutuário eram corrigidas anualmente (pelo índice de correção dos salários), mas o saldo devedor era atualizado trimestralmente pela taxa de correção estabelecida para a caderneta de poupança. A diferença - o que restava do saldo devedor ao término do contrato com o mutuário - seria paga pelo FCVS, que era bancado exclusivamente pelo Tesouro.
Ao longo dos anos, o rombo do FCVS foi crescente. Em 1985, por exemplo, enquanto as prestações foram corrigidas em 112%, o saldo devedor foi corrigido em 246%. A diferença, volta-se a frisar, era (ou deveria ser) coberta pelo FCVS, que era (e é) bancado com recursos do Tesouro.
Na época, o déficit potencial do FCVS era estimado em R$ 60 bilhões. O FCVS era um "esqueleto", uma dívida não paga pelo Tesouro, que aparecia no balanço dos bancos participantes do SFH (Sistema Financeiro da Habitação), ou seja, todos os bancos importantes.
Reconhecer simplesmente a dívida - e continuar sem pagá-la - equivalia a, de uma penada, quebrar todo o sistema financeiro, ou o que havia de relevante nele. Por isso, o governo fez mais do que reconhecer o "esqueleto". Botou as cabeças de seus burocratas para funcionar e, naquela ocasião, a proposta não carecia, como agora de lucidez econômica.
Em 1996, o governo editou a Medida Provisória nº 1.981. E nela estabelecia um processo de novação dos créditos dos bancos junto ao FCVS (contra o Tesouro, portanto), vale dizer, assumiu a existência da dívida e disse como iria pagar: com a emissão de títulos. No caso, a dívida foi convertida em títulos federais, livremente negociados e passíveis de utilização no Programa Nacional de Desestatização e na quitação de débitos no âmbito do SFH.
A despeito de os títulos serem negociados no mercado com deságio (afinal, o Tesouro não havia pagado sua dívida), a Caixa Econômica Federal foi autorizada a receber tais títulos pelo seu valor de face. E, de fato, depois do processo de consolidação pelo qual passou o sistema financeiro, a Caixa detém hoje a maior parte desses títulos.
Os CVS são papéis de 30 anos, com carência de oito para o pagamento de juros e de 12 para o pagamento do principal - contados a partir de 1997. Eles rende juros de 6,17% (no caso de a operação ter sido financiado com recursos de caderneta) e de 3,12% (com recursos do FGTS) mais correção (TR).
Na época, o governo achou engenhosa a solução encontrada para a retirada do "esqueleto" do armário - os bancos nem tanto, mas, de fato, eles não quebraram por isso. O Tesouro anunciou que, com a medida, estaria economizando R$ 5 bilhões e reduzindo o déficit potencial do FCVS para R$ 55 bilhões.
No ano passado, quando o Banco Central exigiu que a Caixa enquadrasse seus créditos seguindo os critérios de risco estabelecidos (os empréstimos de maior risco exigem a feitura de provisões), as contas foram refeitas, e o rombo do FCVS, de responsabilidade do Tesouro, foi calculado em R$ 54 bilhões.

FAZENDO AS CONTAS. Ora, se o bom senso manda corrigir pelo mesmo percentual ativos e passivos do FGTS e manda igualmente que os eventuais rombos sejam cobertos com a cobrança dos créditos devidos e/ou com a venda de ativos (pois são eles que possibilitam que os recursos rendam), o que os números mostram é que, no mínimo, 63% da correção devida é de responsabilidade do Tesouro, pelo simples fato de que é este o responsável pelo FCVS. O restante deve ser cobrado de prefeituras, de Estados e do próprio governo federal.

Talvez essa conta explique por que não foi o gato de Alice que comeu o dinheiro (ou o rendimento) e por que também não devem ser os trabalhadores e empresários os que devem fazer uma espécie de vaquinha para que o FGTS possa cumprir com o que a Justiça determinou.

(Continua...)
(Revista República, Ano 5, nº 53, março de 2001, páginas 20 a 27.)