sexta-feira, 4 de agosto de 2017

Palestra OAB/SP. Aspectos polêmicos da consolidação da propriedade na Alienação Fiduciária

Palestra proferida no Plenário dos Conselheiros da OAB/SP, sob o tema Alienação Fiduciária - Procedimentos de consolidação da propriedade e aspectos polêmicos. Comissão Especial de Direito Notarial e Registros Públicos, dia 03/08/2017, 19 horas.


Leia a íntegra da palestra proferida.

SEMINÁRIO OAB/SP - ASPECTOS POLÊMICOS DA CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE Palestra proferida no dia 03/08/2017 - Auditório da OABSP

O contrato de Alienação Fiduciária em Garantia não existe isoladamente e estará sempre vinculado a um contrato principal – em geral um contrato de mútuo, nas modalidades empréstimo ou financiamento.
No contrato acessório de Alienação Fiduciária em garantia as partes são denominadas FIDUCIANTE e FIDUCIÁRIO.
O devedor fiduciante – ou o fiduciante – transmite ao credor a propriedade fiduciária da coisa imóvel, que é constituída mediante o registro do contrato que lhe serve de título.
A transmissão da propriedade fiduciária ocorrerá unicamente em garantia do cumprimento da obrigação contraída, uma vez que, liquidada a dívida garantida, a propriedade retornará ao patrimônio do fiduciante.
A confiança em relação ao credor não é, entretanto, suficiente para conferir segurança ao negócio jurídico e, por isso, a lei civil outorga no artigo 1368 - A do Código Civil, um DIREITO REAL DE AQUISIÇÃO que confere ao titular a prerrogativa de perseguir o bem onde quer que se encontre, é oponível “erga omnes” e permitirá ao fiduciante exigir judicialmente, se necessário, o cumprimento da obrigação de cancelamento da propriedade fiduciária após a liquidação da dívida.
Esta é a primeira consequência da alienação fiduciária em relação ao imóvel: do direito real de propriedade emergem a propriedade fiduciária constituída para fins de garantia de obrigação – de titularidade do credor fiduciário e o direito real de aquisição – de titularidade do devedor fiduciante, direitos antagônicos e complementares.
A segunda consequência da alienação fiduciária em relação ao imóvel está no desdobramento da posse, fazendo do fiduciante possuidor direto e do fiduciário possuidor indireto da coisa.

A consolidação da propriedade – tema da presente palestra – é o derradeiro ato do contrato de alienação fiduciária e não é mais que a aglomeração dos direitos reais e da posse em um só titular, tanto na figura do fiduciante, quanto do fiduciário, e em diversas situações.

Na pessoa do fiduciante pode dar-se a consolidação da propriedade por vícios ou defeitos anteriores à contratação que resultem em nulidade absoluta ou relativa do contrato firmado.
Pode ocorrer por razões de direito posteriores à contratação, sendo exemplos o direito de arrependimento assegurado pela lei ou pelo contrato e, também, a resilição – desfazimento do contrato pela vontade de uma ou de ambas as partes.
Mas decorrerá, em geral, pelo cumprimento do pacto – pagamento da dívida e encargos, que resolve a propriedade fiduciária e obriga o fiduciário a fornecer o termo de quitação necessário para o cancelamento do registro, sob pena de multa equivalente a meio por cento sobre o valor do contrato ao mês ou fração.


A consolidação da propriedade pode dar-se na figura do fiduciário em razão de dação em pagamento ou pela resolução culposa do contrato. O fiduciante pode, com a anuência do fiduciário, dar seu direito real de aquisição em pagamento do saldo devedor da dívida no decorrer do contrato ou, no âmbito de execução extrajudicial, dispensando os procedimentos de alienação da garantia em leilão público.
A consolidação da propriedade em decorrência da resolução culposa tem por pressupostos (a) o inadimplemento contratual e (b) a constituição do fiduciante em mora e como requisitos (a) o decurso do prazo de purgação da mora pelo fiduciante e (b) a comprovação do recolhimento do ITBI.


Questão importante diz respeito ao prazo para consolidação da propriedade após o decurso do prazo de purgação de mora pelo fiduciante.
Pela redação do art. 26 da Lei nº 9.514/1997 a consolidação dar-se-ia mediante a comprovação do pagamento do ITBI, a critério do credor, sem prazo expressamente determinado, o que levou diversos autores à conclusão de inexistência de prazo específico para o procedimento e, de certo modo, induziu também os magistrados da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo, responsáveis pela atualização das normas de serviço extrajudiciais, em erro.
Dispõem as normas de serviço da corregedoria que o requerimento de intimação para purgação da mora será prenotado, formando um processo de execução extrajudicial (item 244) e que seu prazo de vigência ficará prorrogado até a finalização do procedimento (item 246.1).
O prazo a ser observado, dessa forma, é o da prenotação (art. 205 da Lei nº 6.015/1977 (LRP) que dispõe que: cessarão automaticamente os efeitos da prenotação se, decorridos 30 dias do protocolo, o registro não se efetivar por omissão do interessado em atender às exigências legais. Excepcionalmente, no processamento da dúvida, esse prazo será prorrogado até a decisão final.
Portanto, parece claro que, por analogia, a prenotação da intimação tem é válida por 30 dias, prorrogáveis até a finalização do procedimento – decurso do prazo de purgação da mora – ocasião em que o credor deverá comprovar o recolhimento do ITBI para a consolidação da propriedade e encerramento do processo.
Entretanto, sem qualquer fundamento legal, doutrinária ou jurisprudencial a Corregedoria Geral de São Paulo baixou provimento fixando em 120 dias o prazo em que o registrador aguardará a comprovação de recolhimento do tributo e requerimento da consolidação, tempo absolutamente incompatível com a celeridade do procedimento de execução extrajudicial.
De outro lado, a Lei nº 13.465/2017, que alterou a 9.514/1997, trouxe um outro prazo para a averbação da consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário nos contratos de financiamento habitacional, no trigésimo dia (e não até o trigésimo dia), tratando-se de prazo peremptório cujo descumprimento resultará na exigência de novo procedimento de intimação.
É sempre conveniente lembrar que a consolidação da propriedade e a venda do bem em leilão é direito do devedor e, portanto, obrigação do credor, que pode contestar o prazo fixado pela Corregedoria Geral e exigir sua realização, inclusive com antecipação de tutela e fixação de multa para o descumprimento, nos termos dos arts. 536 § 4º e 815 do CPC, além de responder por perdas e danos.


A consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário terá como consequências principais (a) a extinção do negócio jurídico principal e da dívida originária; (b) a extinção do direito real de aquisição e constituição da propriedade plena; e (c) a venda do imóvel em leilão público.
A extinção do negócio jurídico principal, da dívida originária e do direito real de aquisição antes deferido ao fiduciante, com a consequente transformação da propriedade fiduciária em propriedade plena deveriam impedir qualquer possibilidade de pagamento da dívida e de recebimento do crédito após a averbação da consolidação na respectiva matrícula.
No entanto, alguns precedentes firmados no Superior Tribunal de Justiça, desajustaram, de certa forma, essa questão.
No primeiro acórdão precedente – em que houve do credor ao recebimento – admitiu-se a purgação até a assinatura do auto de arrematação, face a “incidência irrestrita daquele dispositivo legal (art. 34 do DL 70/66) aos contratos celebrados com base na Lei nº 9.514/97”.
No segundo julgado – em que as partes acordaram quanto à quitação, ficando a lide restrita ao cancelamento da averbação da consolidação da propriedade – admitiu-se a purgação da mora e o pagamento da dívida, aludindo o relator a uma “nova transmissão de propriedade”.
Na decisão da 1ª VRP a MM. Juíza, para considerar válido o termo de quitação emitido pelo credor fiduciário, afastou o entendimento de que o a lei é cogente quanto a obrigatoriedade de realização do leilão e, também, remeteu as partes a “um novo negócio jurídico”.
Alteração promovida pela Lei nº 13.465/2007 permite ao devedor fiduciante adquirir o imóvel por preço correspondente ao valor da dívida mais encargos e despesas até a data da realização do segundo leilão. (§ 2º-B, art. 27)


Outra questão polêmica relativa ao procedimento está na adoção da doutrina do adimplemento substancial como razão de defesa suficiente para impedir a consolidação da propriedade e consequente alienação do imóvel em leilão público.
A doutrina do adimplemento substancial surgiu na Inglaterra, no século XVIII, resultado da observação da desproporcionalidade da resolução contratual incondicionalmente aplicada em situações na quais a obrigação havia sido cumprida de modo praticamente integral pelo devedor.
Tratou-se de evidenciar que negócios jurídicos se distinguem dos jogos de azar, afastando a possibilidade de que uma lufada de má sorte acarrete a perda total da aposta.
A aplicação da teoria do adimplemento substancial não implica em perdão ou redução da dívida não quitada, apenas na eleição de outro meio de realização do crédito, consentâneo com a extensão do inadimplemento, em respeito ao princípio da conservação dos contratos e dos deveres de cooperação e lealdade entre as partes.


Também é bastante polêmica a questão da arrematação do imóvel em leilão público por preço vil.
Dispõe o art. 891 do novo CPC que: Não será aceito lance que ofereça preço vil e no parágrafo único que: considera-se vil o preço inferior ao mínimo estipulado pelo juiz e constante do edital, e, não tendo sido fixado preço mínimo, considera-se vil o preço inferior a cinquenta por cento do valor da avaliação.
A inclusão de § único ao art. 24 da Lei nº 9.514/1997 com a fixação de um piso legal – base de cálculo do ITBI – que procura impedir que o valor de venda em leilão seja objeto de discussão judicial, principalmente quanto a milhares de contratos vigentes que estabeleceram a simples atualização monetária como critério de revisão do valor do bem, só funciona para o primeiro leilão.
Tão ou mais preocupante que o preço vil de alienação do bem em leilão é a oferta vil resultante da própria contratação. Não parece bem que o credor ofereça valores – ou que o Banco Central do Brasil estipule quotas – equivalentes a 30, 40 ou 50% do valor do imóvel e exija garantia integral.
A legalidade da oferta vil começa também a ser discutida judicialmente.


Finalmente, uma inversão na interpretação do comando legal, que conferiu importância principal ao acessório, estimula a maioria dos autores a vislumbrar a existência de um perdão de dívida na hipótese de leilões negativos e incorporação definitiva do bem ao patrimônio do credor.
Discordamos e assinalamos que no procedimento adotado pela lei a extinção da dívida ocorre no momento da consolidação da propriedade, remanescendo, a partir de então, apenas o ônus da realização do ativo pelo credor para satisfação de seu crédito e apuração de eventual direito residual deferido ao devedor. Ademais, não tendo havido lance vencedor – definido e determinado – não há, tecnicamente, como apurar eventual saldo remanescente da “dívida”.
O referido comando legal (§ 5º do art. 27) dispõe exatamente que: não havendo interessado que pague valor no mínimo igual à soma da dívida, das despesas, dos prêmios de seguro, dos encargos legais, inclusive tributos, e das contribuições condominiais o credor poderá assenhorar-se do imóvel, ficando o devedor destituído de qualquer direito em relação aos valores pagos e o credor, agora na condição de proprietário pleno, exonerado da obrigação de apurar e entregar ao devedor o valor que sobejar em relação à eventual e futura disposição do bem.
Resta evidente que o beneficiário do disposto na norma é o credor que se torna senhor do imóvel e poderá aliená-lo no mercado ordinário, sem as amarras próprias do leilão público, estando dispensado de prestar contas e de entregar ao devedor eventual excesso que resultar da venda.