sábado, 3 de junho de 2017

PALESTRA "NEGÓCIOS FIDUCIÁRIOS" NO XLIV ENCONTRO ANUAL DOS REGISTRADORES DE IMÓVEIS DO BRASIL - IRIB - CURITIBA (PR) - 2017





Leia a íntegra da palesta proferida.

IRIB – INSTITUTO DE REGISTRO IMOBILIÁRIO DO BRASIL
XLIV ENCONTRO DOS OFICIAIS DE REGISTRO DE IMÓVEIS DO BRASIL.


Muito bom dia.
Cumprimento todos os presentes, na pessoa do Exmo. Sr. Presidente do IRIB, Dr. Sergio Jacomino e agradeço o honroso convite para este Encontro Anual dos Oficiais de Registro de Imóveis.
É grande a responsabilidade de palestrar antes dos Drs. Melhin Namen Chalhub e José Antônio Cetraro, profissionais que, faz vinte anos, participaram ativamente das discussões iniciais e da elaboração do projeto de lei que daria vida à alienação fiduciária em garantia de bem imóvel, bem como da eminente registradora paulista Dra. Maria do Carmo de Rezende Campos Couto.
Embora não esteja aqui como representante da Caixa Econômica Federal, é por força das funções exercidas naquele banco que me ocupo, todos os dias, ao estudo da alienação fiduciária em garantia de bem imóvel.
Sei que ao falar da CAIXA, todos vão se lembrar imediatamente do SFH, SFI, Minha Casa, Minha Vida e do uso de FGTS para a compra da casa própria, programas que, pelo caráter nacional nos permite manter contato direto com centenas de oficiais de registro de imóveis dos maiores centros econômicos e das menores e mais distantes comarcas do país e reconhecer suas virtudes e dificuldades.
Calha, no entanto, destacar que sendo CAIXA um dos quatro maiores bancos comerciais do País, atua fortemente também no crédito comercial e utiliza a alienação fiduciária como garantia também de operações de extrema complexidade e que envolvem montantes inimagináveis de recursos – aqui bastando citar as obras da Copa da FIFA e das Olimpíadas de 2016.
Há uma crescente insatisfação do mercado com as regras postas da alienação fiduciária de bem imóvel em garantia, especialmente quanto aos limites legais do instituto, alguns ranços impróprios e típicos das hipotecas, além da dificuldade demonstrada pela Justiça para entender plenamente seus mecanismos, a ponto de já ter sido diagnosticada em processo de morte lenta.
Costumo discordar desse diagnóstico e dizer – em sentido figurado – que o porto da alienação fiduciária foi construído com calado adequado para receber as operações de financiamento imobiliário e, durante a maré alta, algumas outras operações financeiras e comerciais.
Pretender, no entanto, abrigar operações mais pesadas e de maior calado sem aprofundar o canal, o que, neste caso, significa alterar profundamente o texto legal (o que eu sei, é objeto de trabalhos que estão sendo desenvolvidos pelos colegas de mesa), é submeter-se ao risco de encalhe, alijamento ou naufrágio.


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Tratando especificamente de nosso tema, no final da década passada e anos iniciais desta década as instituições financeiras enfrentavam uma situação inusitada: havia abundância de recursos destinados ao financiamento de bens e empréstimos em geral cumulada com a existência de uma enorme carteira de clientes potencialmente dispostos à captação desses recursos e, por contraponto, os negócios estavam travados face à escassez de garantias reais provocada, em grande parte, pela adoção massiva da alienação fiduciária como garantia preferencial – e, em geral, excessiva – dos negócios jurídicos.
Para melhor compreensão, necessário recorrer ao conceito de “garantia ideal” elaborado pelos franceses Laurent Aynés e Pierre Crocq, definindo os quatro requisitos da garantia ideal: (1) constituição simples e pouco onerosa; (2) adequada à dívida, evitando o desperdício de crédito do devedor; (3) eficaz quanto ao recebimento; (4) execução fácil, célere e módica.

Na impossibilidade de constituição de propriedades fiduciárias sucessivas e com diferentes graus de preferência, tal como admitido e praticado no período de prestígio da garantia hipotecária, aquelas instituições buscavam, então, alguma forma de aproveitamento desse gap patrimonial – até ali reconhecido doutrinariamente e conceituado como direito expectativo de aquisição – como objeto de garantia suficiente para a atender ao risco do negócio e necessária para cumprir as condições de crédito impostas pelo Banco Central do Brasil.
A solução então encontrada foi negociar com o Poder Executivo a explicitação desse direito expectativo como direito real de aquisição mediante alteração da lei civil, o que ocorreu com a adoção da Medida Provisória nº 651, de 9 de julho de 2014, convertida posteriormente na Lei nº 13.043, de 13 de novembro de 2014, que introduziu ao Código Civil o art. 1368-B, nos seguintes termos:

A alienação fiduciária em garantia de bem móvel ou imóvel confere direito real de aquisição ao fiduciante, seu cessionário ou sucessor.
Dessa forma, aquele direito expectativo foi transformado em direito real de aquisição, que na contratação de garantia fiduciária é atribuído ao fiduciante, permitindo que a propriedade plena do bem seja recobrada após o adimplemento da obrigação contraída e que – por ser direito disponível, com conteúdo patrimonial – pode ser cedido, utilizado como garantia de negócios em geral e também, ser objeto de constrição judicial, já incluído no rol de bens penhoráveis disposto no art. 835 do CPC.
Infelizmente, quando o remédio chegou a fartura de recursos já se transformara em carência e o benefício esperado não pode ser desfrutado da maneira desejada.
Não há dúvida de que o direito real de aquisição é suscetível de cessão, exigida a anuência expressa do credor fiduciário, conforme prevê o art. 29 da Lei nº 9.514/1997, assumindo o adquirente cessionário todos os direitos e obrigações e passando a figurar como fiduciante na relação contratual.
A cessão do direito real de aquisição pode ser feita por instrumento público ou particular, constitui fato gerador do ITBI, implica na cessão das posições de devedor no contrato principal e de fiduciante na alienação fiduciária e, para produzir efeitos em relação a terceiros, deve ser levada a registro no Ofício de Imóveis.
Além da cessão, o aproveitamento do direito real de aquisição pode se dar também pela caução, admitida nos termos dos arts. 17, III e 21 da Lei nº 9.514/1997, pode ser feita por instrumento público ou particular e pode ser constituída tanto em favor do credor fiduciário quanto de outro credor qualquer, mediante registro no Ofício de Imóveis do contrato que lhe serve de título, conferindo ao credor “direito real sobre o direito real de aquisição pertencente ao devedor caucionante”.
Parece-me dispensável a anuência do credor fiduciário para a caução dos direitos reais de aquisição pelo simples fato de se tratar de garantia, não caracterizando cessão ou qualquer outra forma de alienação de direitos, ressaltando, contudo, que os contratos de alienação fiduciária geralmente contêm cláusula que determina o vencimento antecipado da dívida para os casos de alienação, caução ou penhora dos direitos reais do fiduciante.
Na caução, diferentemente do que ocorre na alienação fiduciária, a cobrança por eventual inadimplemento das obrigações assumidas pelo devedor caucionante será feita mediante execução judicial, com a penhora, preferencialmente, dos mesmos direitos caucionados.
Nas duas hipóteses – da cessão ou da caução – o valor econômico da transação é apurado por meio de operação matemática simples – valor atribuído ao imóvel menos o saldo devedor da dívida que deu origem à alienação fiduciária – ajustado, evidentemente, de acordo com os interesses e critérios negociais dos envolvidos - será suficiente para orientar as pretensões dos interessados.

Uma terceira possibilidade, convalidada pelo artigo 1420 e parágrafos do Código Civil, reside na constituição de alienação fiduciária da propriedade superveniente, isto é, daquela que o devedor vier a adquirir quando do pagamento da dívida originária.
A alienação fiduciária de propriedade superveniente a rigor, não diz respeito ao direito real de aquisição, embora se espelhe diretamente em seu valor econômico e, a despeito da nomenclatura adotada, tem características de garantia pessoal com potência de garantia real.
Sua contratação não implica na oneração dos direitos reais de aquisição deferidos ao fiduciante no negócio fiduciário original que, por isso mesmo, poderão ser cedidos ou caucionados para terceiros, ao fiduciário presente ou ao próprio fiduciário superveniente, se diverso (garantias sucessivas).
Todavia, a adoção sem ressalvas da alienação fiduciária da propriedade superveniente pode dar vazão à sua contratação em operações sucessivas, concomitantes e supervenientes, com graduação semelhante à utilizada para a hipoteca, criando um vínculo obrigacional tendente à perenidade.
A alienação fiduciária da propriedade superveniente só terá eficácia após verificada a condição suspensiva que enseja a aquisição da propriedade por parte do devedor-fiduciante, com a averbação no Registro de Imóveis do “termo de quitação” da dívida garantida pela propriedade fiduciária anteriormente constituída, ou seja, só a partir do cancelamento estará o segundo credor investido na propriedade fiduciária em garantia.
Esta possibilidade, descrita com detalhes pelo Dr. Melhim, prestigiada pela doutrina foi adotada pelo Enunciado 506, na V Jornada de Direito Civil, nos seguintes termos: Estando em curso contrato de alienação fiduciária, é possível a constituição concomitante de nova garantia fiduciária sobre o mesmo imóvel, que, entretanto, incidirá sobre a respectiva propriedade superveniente que o fiduciante vier a readquirir, quando do implemento da condição a que estiver subordinada a primeira garantia fiduciária; a nova garantia poderá ser registrada na data em que convencionada e será eficaz desde a data do registro, produzindo efeito ex tunc.
Não foi, no entanto, recepcionada com o mesmo entusiasmo pelos Registradores de Imóveis que – naquilo que sabemos – tem denegado o registro e encaminhado os interessados ao Poder Judiciário por meio da suscitação de dúvida.
No Poder Judiciário – no Estado de São Paulo, pelo menos – a recepção também não é amigável e cito, nesse sentido, recente decisão administrativa da 1ª Vara de Registros Públicos da Capital de São Paulo (proc. 1111191-68.2016.8.26.0100) que julgou procedente a dúvida suscitada pelo Oficial que se negara a proceder ao registro do título, entendendo ser imprescindível o cancelamento da alienação anterior, enquanto inexistente previsão legal de registro de alienação fiduciária condicional ou de propriedade superveniente.
Embora sem entrar no mérito da validade da alienação fiduciária superveniente a referida decisão denega o registro, impede o efeito “ex tunc” e inviabiliza a contratação.


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Por outro lado, estimulado pela inclusão dos direitos reais de aquisição na lista de bens penhoráveis disposta no art. 835 do CPC, é crescente o interesse de terceiros – também credores – na sua expropriação judicial, para posterior alienação e satisfação de obrigações não cumpridas.
Entretanto, as consequências – patrimoniais, civis e registrais – da penhora e alienação forçada desse direito real não são inteiramente conhecidas – e carecem de ser esclarecidas.
Peço vênia para, desde logo, discordar daqueles que entendem que o arrematante desse direito assume, automaticamente, a posição que o devedor possuía no contrato, na condição de fiduciante e com a obrigação de honrar o saldo da dívida.
Ora, o direito aquisitivo derivado de alienação fiduciária em garantia, de que trata o inciso XII do art. 835 do CPC é – exatamente – o direito real de aquisição conferido ao fiduciante por força do art. 1368–B do Código Civil.
Porém, esse direito real de aquisição, consistente em pretensão restitutória subordinada ao implemento da condição, é apenas um dos direitos deferidos ao fiduciante, que se completa com o direito inerente à posse direta do bem gravado, assegurada pelo adimplemento das obrigações contratuais assumidas nos contratos principal e acessório originais.
Parece claro que a penhora abrange o conteúdo jurídico e econômico do direito real de aquisição, mas não alcança e nem inclui a posse direta do imóvel e tampouco promove qualquer alteração nos negócios jurídicos antecedentes e vigentes, restando o arrematante titular de direitos que poderão ser exercidos no tempo e nas condições contratuais e legais.
Dessa forma, a assunção do débito e a consequente substituição do devedor fiduciante pelo arrematante somente ocorrerá se, e quando, o credor fiduciário concordar e dependerá, também, da anuência do próprio fiduciante – cedente das obrigações – que, apesar da constrição de direitos, não estará obrigado a ceder sua posição contratual.
Cumpre notar que já tivemos a oportunidade de acompanhar na justiça paulista um caso emblemático em que a arrematação de direitos reais de aquisição – tratada com esse viés de assunção automática de posição contratual – resultou em prejuízo milionário ao arrematante em razão da extrema ignorância acerca do instituto – demonstrada por todos os envolvidos, especialmente pelo arrematante e seus advogados, pelo perito avaliador, pelo leiloeiro e, com todo o respeito, pelos magistrados das varas jurisdicional e administrativa especializada em registros públicos.
Portanto, sua eventual arrematação insere um terceiro interessado na relação jurídica, de forma que:

(a) O credor fiduciário continua titular de seus créditos e da propriedade fiduciária do imóvel;
(b) O devedor fiduciante permanece obrigado a realizar a liquidação dos débitos contratados e, no caso de venda forçada, a ele será destinado o valor que sobejar aos créditos do fiduciário e do arrematante;
(c) Ao arrematante, a aquisição dos direitos reais de aquisição implicará – apenas e tão somente – na transmissão da titularidade de direitos, que somente poderão ser realizados quando da liquidação da dívida ou naquilo que sobejar à dívida em eventual venda do imóvel em leilão.

Dou como exemplo, situações em que, apesar da penhora dos direitos reais de aquisição para a satisfação de créditos condominiais, o fiduciante – mantida a posse direta – continua pagando as prestações mensais do financiamento imobiliário e, muitas vezes, também a solver as quotas mensais de contribuição condominial.
Cumpre ao Oficial de Registro, portanto, averbar a penhora e a posterior arrematação do direito, sem que isso importe em qualquer modificação na titularidade do imóvel, instituindo uma relação tripartite de interesses.
O arrematante, apenas por arrematar, não assume – nem estará obrigado a fazê-lo – qualquer obrigação contratual de pagamento do saldo devedor do contrato originário. Mas, é certo que poderá, a seu critério e conveniência, sub-rogar-se no crédito mediante pagamento ao credor do saldo devedor contratado ou, ainda, assumir o débito – mediante cessão do devedor acordada com o credor.

Por outro lado, a sub-rogação, que decorre da cessão dos direitos creditórios feita pelo credor originário ao arrematante, resultará na automática sucessão na propriedade fiduciária e correspondente extinção – por confusão – dos direitos de aquisição arrematados, consolidando a propriedade, numa situação absolutamente imprevista e atípica para os procedimentos da lei.
O mesmo ocorrerá na hipótese de adjudicação.
Conforme já vimos, o valor patrimonial do direito real de aquisição apurado em operação matemática simples – valor atribuído ao imóvel menos o saldo devedor da dívida que deu origem à alienação fiduciária – é suficiente para orientar as pretensões dos interessados nos casos de cessão ou da oneração de direitos em garantia.
Diferentemente, sua avaliação econômica para fins de penhora, arrematação ou adjudicação exige perícia que considere, inclusive a probabilidade da ocorrência de eventos danosos subsequentes.
O que eu pretendo dizer é que inexiste critério técnico razoavelmente aceitável para a avaliação desse ativo no caso da penhora o que, consequentemente, deturpará a indicação do preço mínimo para venda nos termos do art. 886 do CPC, além de induzir eventuais interessados ao erro na aquisição.
Na hipótese de arrematação, o melhor dos mundos estará na imediata sub-rogação dos direitos e obrigações do contrato principal pelo arrematante, mediante ajuste com o credor fiduciário e devedor fiduciante.
De outro lado, na hipótese de arrematação ou adjudicação seguida da sub-rogação dos direitos creditórios o credor cessionário estará obrigado a respeitar o contrato regularmente cumprido e, recebido o valor da dívida, fornecer o termo de quitação para cancelamento da propriedade fiduciária. Na ocorrência de inadimplemento contratual ou existência de cláusula de vencimento antecipado, a automática consolidação da propriedade na pessoa do credor, obrigará o credor cessionário a observar os procedimentos de liquidação previstos na Lei nº 9.514/1997, inclusive com a realização, se necessário, de um segundo leilão para venda do imóvel pelo valor da dívida, cujo sucesso anulará o efeito econômico da aquisição.
Finalmente, uma possível arrematação desvinculada da sub-rogação de débitos ou créditos proporcionará ao arrematante a titularidade de direito real de aquisição de valor indeterminado, cujo exercício se fará quando da liquidação da dívida, pela via normal – em concorrência com o fiduciante – ou pela execução extrajudicial no caso de inadimplência que justifique a consolidação da propriedade, limitado ao valor que sobejar.
Por tudo isso, parece-me bastante oportuna a proposta de lei, de autoria do Dr. Melhim, alterando o art. 1364 do Código Civil para a inclusão de § único dispondo que: “os direitos reais de garantia ou constrições, inclusive as averbações de bloqueios e indisponibilidades de qualquer natureza, incidentes sobre o direito real de aquisição do bem móvel ou imóvel de que seja titular o fiduciante não obstam sua consolidação no patrimônio do credor e sua venda, mas sub-rogam-se no direito do fiduciante à percepção do saldo que eventualmente remanescer do produto da venda do bem. ”


Era o que eu tinha a apresentar.
Agradeço a atenção de todos.
Muito obrigado.