domingo, 26 de junho de 2016

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL. PORQUE MARES TRANQUILOS NÃO PRODUZEM BONS MARINHEIROS.


Mauro Antônio Rocha (1)


A alienação fiduciária de coisa imóvel ingressou no ordenamento jurídico pátrio por meio da Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997, passou a ser praticada pelas instituições financeiras em 2002 nos financiamentos imobiliários e foi adotada como o principal instrumento para a garantia de empréstimos e financiamentos em geral a partir da promulgação da Lei nº 10.931, de 02 de agosto de 2004, que desatou alguns nós da lei de regência e estendeu sua utilização para as demais operações financeiras.

Nos quase vinte anos de existência da lei – ou quinze anos de efetiva aplicação – a alienação fiduciária de coisa imóvel navegou nas águas serenas da estabilidade econômica, situação de pleno emprego e reajustes reais de salários sem ter sido submetida ao necessário teste de estresse que pudesse revelar suas deficiências e defeitos. Nesse período, foram firmados milhões de contratos de crédito com garantia fiduciária, dos quais parcela proporcionalmente irrelevante foi levado à execução extrajudicial por inadimplência – para consolidação da propriedade em nome do credor – e um número reduzido de conflitos foram judiciarizados.

Mudanças no humor político e econômico no país, no entanto, sugerem o recrudescimento da inadimplência contratual, com o agravamento do quadro de cobrança forçada das dívidas e, consequentemente, da reação judicial dos devedores e fiduciantes.

Ocorre que por conta da quietação e calmaria dos tempos bons os estudos sobre o instituto ficaram limitados à simplicidade dos procedimentos legais de concessão do crédito, quitação da dívida, consolidação da propriedade e execução extrajudicial do débito, de forma que os operadores do direito envolvidos parecem despreparados para compreender os atalhos e desvios que começam a surgir, assim como, os registradores de imóveis parecem dispostos a acumular exigências imprecisas e desnecessárias, que às vezes são atendidas pelos implicados com adaptações contratuais estapafúrdias e outras vezes contestadas com argumentos despropositados e descolados da lógica jurídica do instituto para, finalmente, serem levadas ao Judiciário na forma de ações, dúvidas ou pedidos de providências mal formulados, onde são examinadas burocraticamente e provocam decisões que não atendem aos interesses das partes e ao desejo de preservação jurídica desse indispensável instrumento de garantia dos créditos.

Exemplo disso é a reiterada negativa de cancelamento da averbação de consolidação de propriedade, a requerimento formal das partes, após a quitação da dívida pelo devedor decorrido o prazo legal para a purgação de mora, porque, no entender de alguns oficiais de registro, o art. 27 da Lei nº 9.514/97 é norma cogente que determina a realização de leilão público para a venda de imóvel objeto de consolidação da propriedade por conta do inadimplemento contratual e, portanto, essa obrigação não pode ser afastada para atender aos interesses das partes.

Ora, a lei admite o cancelamento do registro da compra e venda, da alienação fiduciária em garantia, da arrematação ou adjudicação em hasta pública (art. 250 da Lei nº 6.015/1973) e não há justificativa jurídica razoável para se negar o cancelamento da consolidação apenas e tão somente pela suposta cogência normativa ou pela natureza meramente declaratória da averbação. A simplicidade dos argumentos denegatórios contrasta com a relevância material e ideológica do bem jurídico tratado.

Mais atrapalha do que ajuda a existência de confusos precedentes do Superior Tribunal de Justiça que admitem o recebimento do crédito e a liquidação da dívida, sem determinar o cancelamento da consolidação da propriedade, deixando subentendida a necessidade de realização de um novo negócio jurídico que, a rigor, independeria de qualquer autorização judicial.

Nada impede, a nosso ver, o cancelamento da averbação de consolidação, retornando a titularidade do imóvel a situação anterior, restabelecendo-se, se for o caso, a alienação fiduciária e possibilitando ao devedor a manutenção do bem da vida e ao credor que proceda à quitação da dívida ou que retome o curso do contrato, como medida de justiça, que atende ao direito constitucional à moradia e aos princípios de celeridade e economia processual.

O excesso de zelo dos registradores de imóveis pode ser identificado também na negativa de averbação de instrumentos aditivos contendo alterações das condições primárias de contratos de mútuo e outros negócios jurídicos garantidos por alienação fiduciária de bem imóvel, deixando inconclusos negócios jurídicos já contratados, além de obstar e prejudicar a realização de outras inúmeras operações de crédito rotativo no mercado financeiro.

É da natureza dos negócios jurídicos de crédito financeiro que, no curso do contrato, surjam situações que exigem operações complementares ou suplementares, modificativas das condições originárias, consubstanciadas em aditamentos contratuais, com cláusulas específicas de renegociação de valores, termos e condições da dívida vincenda ou de consolidação e correspondente confissão de parcelas vencidas – e tudo isso foi previsto, compreendido e autorizado pelo § 4º do art. 29, da Lei nº 10.931/2004 que prevê o aditamento, a retificação e a ratificação da Cédula de Crédito Bancário.

Não há, portanto, impedimento ou vedação legal para o aditamento do contrato de mútuo, obedecidos os requisitos do documento ser escrito, datado e conter os mesmos requisitos exigidos do instrumento principal ou da cédula de crédito bancário, decorrente de correção, inclusão ou exclusão de cláusulas, das condições ou termos no contrato original, com a intenção de modificar, esclarecer ou complementar o negócio jurídico em vigente, desde que, evidentemente, mantido o negócio jurídico originário.

Contudo, em diversas ocasiões a Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo tem considerado corretos os atos praticados pelo registrador , sob a justificativa de que o título, independentemente de nominado como aditamento, representa novo negócio jurídico fiduciário, uma vez que altera forma de pagamento taxa de juros e condições de pagamento, caracterizando inegável novação.

Parece evidente que nem toda modificação ou retificação ocorrida no contrato principal repercute diretamente no contrato acessório de alienação fiduciária em garantia. A alteração das condições intrínsecas do mútuo, tal como o aumento ou redução do limite de crédito ou do prazo de amortização, bem como das taxas de juros e encargos aplicáveis, não provocam nenhuma alteração nas condições da garantia, devendo ser averbado o instrumento apenas para publicidade e atualização da obrigação garantida. Nesse sentido, a decisão da mesma CGJ no Processo 83.549/2010: “Ora, na medida em que, de acordo com a legislação de regência, as cédulas de crédito bancário prescindem de registro para que sejam válidas e eficazes, mas as garantias por elas constituídas devem ser registradas para valer contra terceiros, resta claro que o registro ‘in casu’ não é verdadeiramente do título, mas sim da garantia nele prevista”.

Demais disso, cabe ressaltar que a novação não se presume e de acordo com o art. 361 do Código Civil, não havendo ânimo de novar, expresso ou tácito, mas inequívoco, a segunda obrigação confirma simplesmente a primeira e que, somente ocorre nas hipóteses previstas no art. 360 da Código Civil, quando o devedor contrai com o credor nova dívida para extinguir e substituir a anterior, quando novo devedor sucede ao antigo, ficando este quite com o credor ou, ainda, quando, em virtude obrigação nova, outro credor é substituído ao antigo, ficando o devedor quite com este.

A incompreensão registral também transparece quando é negada a averbação da consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário, após regular intimação dos devedores fiduciantes e decurso do prazo de purgação da mora, por conta da existência de averbações de penhora ou indisponibilidade dos bens dos fiduciantes.

Do contrato de alienação fiduciária decorrem a propriedade fiduciária resolúvel, com escopo de garantia, conferida ao credor e o direito real, conferido ao devedor ou fiduciante, de adquirir novamente a propriedade plena do bem após o adimplemento da obrigação contraída. Esse direito real de aquisição, atualmente, previsto no art. 1368-B do Código Civil, é um direito expectativo consistente no recobro da propriedade, uma vez cumprida a condição , portanto, indeterminado e limitado ao quantum apurado no momento da liquidação da dívida.

Ora, se o direito real de aquisição é expectativo, dependente do cumprimento de determinadas condições para sua realização e não incidente sobre a propriedade imobiliária, não há porque negar-se a averbação da consolidação da propriedade em nome do credor.

O direito real de aquisição corresponde – de forma simplificada – ao valor de mercado do imóvel menos o saldo devedor da dívida que deu origem à alienação fiduciária e seu valor econômico será tanto maior quanto menor o valor da dívida ou do saldo devedor da dívida. Assim, por exemplo, o direito real de aquisição decorrente de um contrato de financiamento imobiliário com pagamento de parcelas mensais do preço será maior na medida em que mais parcelas tenham sido pagas pelo fiduciante. Por outro lado, num contrato de empréstimo bancário com pagamento total ao final do prazo contratual o direito real de aquisição será – provavelmente – negativo e assim permanecerá durante todo o período.

Se, no entanto, o fiduciante inadimplir as obrigações ou deixar de pagar as prestações, justificando a consolidação da propriedade, o valor do bem continuará sendo seu valor de mercado reduzido do valor total da dívida; enquanto isso, o direito real de aquisição restará limitado à diferença entre o valor total da dívida e o montante obtido em hasta pública pelo bem, podendo, em qualquer das hipóteses acima, o terceiro – credor da indisponibilidade – efetuar o pagamento da dívida e subrogar-se no crédito em relação ao devedor.

Resta claro que a decretação de indisponibilidade de bens do devedor ou fiduciante não altera as condições do negócio jurídico, nem a natureza jurídica dos direitos decorrentes da alienação fiduciária, não havendo qualquer impedimento para a averbação da consolidação da propriedade em nome do credor. Da mesma forma, a consolidação da propriedade não importará em prejuízo de nenhuma ordem para o credor interessado na indisponibilidade, cujo direito – limitado e indeterminado – continuará protegido (da mesma forma prevista para a proteção enquanto direito do fiduciário) pela realização dos leilões e liquidação de seus interesses pelo recebimento do valor que sobejar a dívida.

As situações acima são recorrentes e foram expostas com a intenção de colaborar para a compreensão dessas operações e sem qualquer pretensão de estabelecer critérios de entendimento, na esperança de despertar os envolvidos para o aprofundamento do estudo do instituto da garantia fiduciária e em busca de uma solução para a manutenção dos negócios financeiros com a almejada e necessária segurança jurídica em tempos de inquietação, porque mares tranquilos não produzem bons marinheiros .


NOTAS: (1) O autor é advogado graduado pela Universidade de São Paulo (USP). Pós-graduado em Direito Imobiliário e Direito Registral e Notarial. Coordenador Jurídico de Contratos Imobiliários da Caixa Econômica Federal.
(2) CGJSP 2013/146.225, 2013/151.796 e 2015/31.763
(3) Lima, Frederico Henrique Viegas de. Da alienação Fiduciária de coisa imóvel. Curitiba: Ed. Juruá, 2011, p. 167.
(4) Provérbio atribuído à cultura africana

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL. CONSIDERAÇÕES SOBRE A QUITAÇÃO MÚTUA OBRIGATÓRIA NAS OPERAÇÕES REALIZADAS FORA DO ÂMBITO DO FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO.


Mauro Antônio Rocha (1)


Da alienação fiduciária em geral.

A alienação fiduciária em garantia é um instituto jurídico conhecido desde o período clássico do Direito Romano, na figura da fidúcia cum creditore, que foi resgatado pelo Direito Brasileiro em meados do século passado e adaptado para atender às necessidades de uma sociedade de massas ainda incipiente, desordenada e necessitada de agilidade e dinamismo jurídico para seu desenvolvimento.

Apesar de ignorada pelo código civil de 1916 e ainda sem se afigurar como negócio jurídico contratual típico, a fidúcia sempre esteve presente no direito brasileiro, tendo sido regularmente utilizada como meio de concretização de negócios e garantias.

Nesse sentido, afirma Silva que deixando de ser negócio jurídico contratual típico, nem por isso ficou entre nós repudiado inteiramente. Filho órfão, e mesmo enjeitado, encontrou todavia abrigo em uma que outra manifestação esporádica. A doutrina o não desconhecia de todo, e os tribunais embora com certa relutância e alguma vacilação entenderam que não seria uma figura contratual contraria ao nosso sistema.(2)

Não por acaso, a garantia fiduciária surgiu no direito positivo brasileiro em 1965 – coincidentemente e ao mesmo tempo no projeto civilista do Código de Obrigações elaborado por Caio Mário Pereira da Silva e na Lei nº 4.728, proposta de uma nova ordem política para disciplinar os mercados financeiro e de capitais – num contexto de grande desenvolvimento econômico e de garantias reais (hipoteca, penhor e anticrese) insuficientes para a proteção dos recursos alocados para o financiamento da produção de bens de capital e da aquisição de bens de consumo.

Dispunha o derrogado artigo 66 da referida lei, que nas obrigações garantidas por alienação fiduciária de bem móvel, o credor tem o domínio da coisa alienada, até a liquidação da dívida garantida. E, concluía, no parágrafo segundo do mesmo artigo, que o instrumento de alienação fiduciária transfere o domínio da coisa alienada, independentemente da sua tradição, continuando o devedor a possuí-la em nome do adquirente, segundo as condições do contrato, e com as responsabilidades de depositário.

Desde então, com base na interpretação literal da norma, convencionou-se o uso dessa modalidade de garantia real apenas para os bens móveis de consumo e a algumas espécies de recebíveis financeiros.

Desse entendimento restritivo divergia Silva distinguindo os negócios jurídicos realizados ao amparo da lei especial daquelas outras transações por ela não abrangidas, de modo que, fora do mecanismo de execução regulamentado na Lei especial, a alienação fiduciária pode comportar a coisa imóvel, como a jurisprudência de nossos tribunais já admitia antes da Lei 4.728, admitindo a validade do contrato de alienação fiduciária de coisa imóvel, e validando o pactum fiduciae(3).

Da alienação fiduciária de coisa imóvel.

Se, de fato, nunca houve vedação legal expressa à contratação dessa modalidade de garantia nas transações imobiliárias, a alienação fiduciária de coisa imóvel ingressou no ordenamento jurídico pátrio como uma das garantias admitidas para a realização de operações de financiamento imobiliário em geral (4) por meio da Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997, que detalhou – em capítulo próprio – suas generalidades, características jurídicas, âmbito de aplicação, bem como os procedimentos específicos e adequados de reconhecimento da quitação da dívida pelo fiduciário e da execução extrajudicial no caso de inadimplemento da obrigação pelo fiduciante.

Pelo caráter inicial de garantia aceitável no âmbito do Sistema de Financiamento Imobiliário – e por ter sido regulamentada na mesma lei que criou o sistema, durante algum tempo a aplicação da alienação fiduciária sobre bens imóveis ficou restrita exclusivamente às operações de financiamento imobiliário.

Foi somente a partir da Lei nº 10.931, em 02 de agosto de 2004, que as outras operações imobiliárias, assim como as obrigações em geral passaram a ser efetivamente garantidas, inclusive por terceiros, por cessão fiduciária de direitos creditórios decorrentes de contratos de alienação de imóveis, por caução de direitos creditórios ou aquisitivos decorrentes de contratos de venda ou promessa de venda de imóveis e por alienação fiduciária de coisa imóvel(5).

Da execução extrajudicial prevista na Lei nº 9.514/1997

A Lei nº 9.514/1997 estabeleceu um procedimento executivo extrajudicial e específico para a garantia fiduciária, conduzido pelo oficial de registro de imóveis – iniciado com a intimação do fiduciante para purgar a mora no prazo de quinze dias, que, se atendida enseja o convalescimento do contrato nas condições antes convencionadas e que, não atendida motiva a consolidação da propriedade em nome do credor, para posterior venda do imóvel em leilão público com a obrigatória entrega do que sobejar ao devedor ou, não havendo excedente, com a exoneração de responsabilidade pelo pagamento do saldo remanescente, daí decorrendo a mútua quitação do contrato.

Assim, de um lado a lei permitiu a contratação de alienação fiduciária por qualquer pessoa física ou jurídica – na condição de vendedor, construtor, incorporador, garantidor etc., não sendo privativa das operações ou das entidades integrantes do SFI, de outro lado, estabeleceu procedimentos de execução mais apropriados e adequados ao financiamento imobiliário – atividade privativa e exclusiva das instituições financeiras.

Das operações realizadas dentro e fora dos sistemas de crédito imobiliário

Parece evidente que a contratação de mútuo em dinheiro pelo comprador para a aquisição de bem imóvel com a constituição de alienação fiduciária em garantia constitui a atividade privativa de financiamento imobiliário que não se confunde com a aquisição do bem diretamente do vendedor, ainda que para pagamento parcelado do preço e com garantia fiduciária, que configura compra e venda com alienação fiduciária em garantia – indevidamente denominada de autofinanciamento.

No primeiro caso, o bem jurídico garantido pela alienação fiduciária é a quantia em dinheiro obtida em operação de mútuo financeiro reservado ao pagamento integral e à vista do bem imóvel diretamente ao vendedor. No segundo caso, o bem garantido fiduciariamente é o próprio imóvel adquirido com o compromisso de pagamento parcelado do preço.

Dessa forma, na transação de mútuo financeiro com garantia fiduciária o objetivo último da norma jurídica é garantir o retorno ao credor do capital aplicado, seja pelo adimplemento tempestivo das condições contratadas ou, extraordinariamente, pela venda do bem em leilão ou diretamente quando negativos os leilões, não se vislumbrando na lei autorização para a apropriação do bem pelo credor fiduciário, exceto na hipótese da inexistência de interessado na aquisição e, mesmo nessa situação extrema, normas de fiscalização da atividade financeira impõem prazo máximo de três anos para a exclusão desse ativo do patrimônio da instituição financeira.(6)

Diferente é a situação na transação de compra e venda com parcelamento do preço e garantia fiduciária. Nesta, o objetivo final da norma jurídica é garantir o adimplemento tempestivo das condições contratadas ou, extraordinariamente, na hipótese de inadimplemento pelo devedor, o retorno ao status quo ante, vale dizer, garantir a recuperação da propriedade do bem pelo credor.

Ocorre que a transação realizada diretamente pelo fornecedor ao consumidor caracteriza relação de consumo, tornando aplicáveis os dispositivos da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 – Código de Defesa do Consumidor, especialmente o art. 53, destinado a impedir o enriquecimento sem causa, que dispõe sobre a nulidade de cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado.

Decorre do referido artigo 53 que, ao menos aparentemente, a lei de proteção ao consumidor desconsidera os obrigatórios e específicos critérios legais de quitação mútua que caracterizam os procedimentos de execução da garantia fiduciária.

Ao enfrentar o assunto, Chalhub (7) manifestou-se da seguinte forma:

Sucede que inúmeras relações de consumo a que se aplica esse princípio têm peculiaridades que distinguem umas das outras e que, portanto, merecem tratamento jurídico e legal coerente com sua peculiar estrutura e função.

É o caso da Lei nº 9.514/1997, que é lei especial e não é incompatível com a Lei nº 8.078/1990 (CDC), razão pela qual, a despeito de os princípios de proteção ao consumidor se aplicarem aos contratos de alienação fiduciária quando caracterizem relação de consumo, o acertamento de haveres nessa espécie de contrato deve seguir o critério específico estabelecido pelo art. 27 da Lei nº 9.514/1997 e não o critério genérico previsto no art. 52 do CDC, seja porque o critério da lei especial não conflita com o princípio enunciado naquele dispositivo do CDC, seja porque aquele é o critério próprio para execução de crédito garantido por direito real.

Em outras palavras: o art. 53 enuncia um princípio geral de nulidade da cláusula que preveja a perda total das quantias pagas pelo devedor inadimplente e o art. 27 da Lei nº 9.514/1997 estabelece critério específico, pelo qual manda o credor devolver ao devedor a quantia que sobrar do leilão, depois de satisfeito o crédito garantido.

Em que pese o encadeamento lógico do raciocínio desenvolvido pelo autor – e ainda que se possa considerar certo que aos contratos de alienação fiduciária constituídos ao abrigo da Lei nº 9.514/1997 aplicam-se os procedimentos de realização da garantia e quitação do débito nela estabelecidos – outras formas de alienação fiduciária são também contratadas, de forma que a questão central relativa à aplicabilidade da quitação mútua às transações de venda e compra de imóveis fora dos sistemas de financiamento imobiliário permanece pendente de apreciação.

Não obstante o acima transcrito, afirma Chalhub(8), na mesma obra, que no que tange ao acertamento de conta entre devedor e credor, por efeito da extinção dos contratos de venda a prazo e de alienação fiduciária que caracterizam relação de consumo, o dispositivo do CDC pertinente é o art. 53, que considera nula a cláusula que preveja a perda total das quantias pagas pelo devedor.

Cabe, neste ponto, fazer uma distinção das transações imobiliárias em relação às normas de proteção ao consumo: (a) as transações realizadas no âmbito dos sistemas de financiamento se caracterizam pelo mútuo em dinheiro, de forma que a extinção da dívida decorre do retorno do capital ao credor – pelo pagamento ou pela alienação do bem oferecido em garantia – não se aplicando, portanto, a obrigação de devolução de valores ao devedor; (b) as transações realizadas fora dos sistemas de financiamento são de compra e venda de bem imóvel e a extinção da dívida decorre da quitação integral do valor parcelado – pelo pagamento, por meio de alienação do bem em leilão, ou pelo retorno da propriedade ao credor e, dessa forma, é aplicável a obrigação de devolução de valores recebidos ao devedor; (c) nas transações de venda e compra realizadas diretamente pelos proprietários (não fornecedores) a extinção da dívida também decorre da quitação integral do quantum parcelado – pelo pagamento ou por meio da alienação do bem oferecido em garantia - não se aplicando a devolução dos valores recebidos.

Assim, é lícito concluir que as pessoas físicas e jurídicas não integrantes dos sistemas de financiamento imobiliário estão autorizadas a contratar a alienação fiduciária em garantia do parcelamento do preço de venda mas, salvo melhor juízo, nos casos de execução extrajudicial da garantia, além dos procedimentos descritos na Lei nº 9.514/1997 deverão observar os mecanismos de proteção ao consumidor, de maneira a facilitar a retomada do bem e, ao mesmo tempo, garantir ao fiduciante a restituição de parte substancial dos valores pagos durante o contrato, em cumprimento ao disposto no art. 53 da lei consumerista.

Parece claro, também, que ao promover o acerto de contas fundado no direito do consumidor ficará o credor desobrigado de realizar os leilões previstos na Lei nº 9.514/1997, valendo o termo de quitação mútua como documento suficiente para o cancelamento da garantia fiduciária, consolidando definitivamente a propriedade em nome do credor, desnecessários, portanto, quaisquer outros instrumentos ou documentos.

Dos outros negócios jurídicos com garantia fiduciária de bem imóvel.

No outro lado da mesma moeda estão os demais negócios jurídicos contratados com alienação fiduciária de garantia, tais como os empréstimos comerciais, as confissões de dívida etc.

Aqui, o fiduciante oferece bem imóvel de seu patrimônio em garantia de empréstimo comercial com ou sem destinação específica, de confissão de dívida, renegociação ou consolidação de contratos, entre outras operações, em transações próprias ou em benefício de terceiros, sendo bastante comum que o valor de avaliação do bem onerado seja inferior ou superior ao valor da dívida garantida.

Também nesses casos, na hipótese de inadimplência e não purgação da mora, o bem imóvel é levado a leilão e vendido pelo maior lance, independentemente do valor da dívida.

Nesse contexto, por exemplo, se o imóvel objeto da garantia fiduciária tem valor inferior ao da dívida original, será levado a leilão pelo maior lance, uma vez que, ainda que vendido pelo seu real valor de mercado, o montante apurado será inferior ao devido e, neste caso, remanescerá o saldo devedor do contrato, para ser exigido do devedor ou de seus garantes, por meio de execução judicial das demais garantias fidejussórias, se houverem, não se aplicando, evidentemente, a obrigatoriedade de entrega do que sobejar, nem a desoneração do devedor quanto ao saldo devedor remanescente, tampouco o dispositivo de restituição total ou parcial dos valores recebidos, de que trata o código de proteção ao consumidor.

Nesta hipótese de garantia parcial, quando a garantia fiduciária foi oferecida por terceiro não devedor – e no contrato deverá constar tratar-se de garantia parcial – e ocorrer a arrematação do bem por valor superior ao valor da avaliação, ainda que inferior ao valor total da dívida, o credor estará obrigado a entregar ao fiduciante o que sobejar ao valor revisado do bem, tendo em vista que este é o limite da garantia oferecida. Porém, não se aplicará a regra da desoneração do devedor quanto ao saldo eventualmente remanescente ao apurado em leilão.

Noutro contexto, se o imóvel objeto da garantia fiduciária tem valor superior ao da dívida, será levado a leilão pelo valor revisado do bem e, se vendido, o valor que exceder à dívida será entregue ao fiduciário que – vale lembrar – poderá ser o devedor ou terceiro fiduciante. Não havendo vencedor do certame, será realizado o segundo leilão para venda pelo valor da dívida, resultando em sério e desproporcional desfalque patrimonial ao fiduciante, suscetível de configurar lance vil e enriquecimento sem causa do credor.

Em qualquer das hipóteses acima, o terceiro fiduciante poderá efetuar o pagamento da dívida e subrogar-se no crédito em relação ao devedor.

Conclusões.

(I). A alienação fiduciária de bem imóvel em garantia pode ser contratada por qualquer pessoa física ou jurídica, não sendo privativa das operações realizadas no âmbito dos sistemas de financiamento imobiliário, nem dos seus integrantes;

(II). No financiamento imobiliário o bem jurídico garantido pela alienação fiduciária é a quantia em dinheiro obtida em operação de mútuo financeiro pelo devedor para pagamento do preço do bem imóvel e o objetivo último da norma é garantir o retorno do capital ao credor, seja pelo adimplemento tempestivo das condições contratadas ou, extraordinariamente, pela alienação do bem em leilão ou por venda direta;

(III). Nas operações realizadas fora dos sistemas de financiamento o bem garantido fiduciariamente é o próprio imóvel adquirido e o objetivo final da norma é garantir o adimplemento tempestivo das condições contratadas ou, extraordinariamente, o retorno ao status quo ante, vale dizer, a recuperação da propriedade do bem pelo credor e o reembolso do valor recebido ao devedor;

(IV). Às operações contratadas fora dos sistemas de financiamento imobiliário são aplicáveis os procedimentos descritos na Lei nº 9.514/1997 em consonância com outros mecanismos previstos no Código de Proteção ao Consumidor, de maneira a facilitar a retomada do bem pelo fiduciante e, ao mesmo tempo, garantir ao fiduciante a recuperação parcial dos valores pagos;

(V). Nas operações contratadas fora dos sistemas de financiamento imobiliário a devolução integral ou parcial dos valores recebidos ao devedor, fundado no direito do consumidor e destinado à quitação mútua do contrato, desobriga o credor de realizar os leilões previstos na Lei nº 9.514/1997, valendo o termo de quitação recíproca como documento suficiente para a consolidação definitiva da propriedade e cancelamento da garantia fiduciária;
(VI). Nas operações de empréstimo com garantia fiduciária, a venda em leilão do bem imóvel avaliado por valor menor do que a dívida original não implicará na desoneração do devedor em relação ao pagamento do saldo devedor remanescente;

(VII). Nas operações de empréstimo com garantia fiduciária, a venda em leilão do bem imóvel avaliado por valor igual ou superior ao valor da dívida original desobrigará o devedor quanto ao pagamento de eventual saldo devedor remanescente, podendo o terceiro fiduciante, mediante pagamento, subrogar-se na dívida;

(VIII). Nas operações de empréstimo com garantia fiduciária de bem imóvel, cujo valor de avaliação é inferior ao da dívida original, oferecido em garantia por terceiro não devedor, o valor que sobejar a liquidação proporcional do débito será obrigatoriamente entregue ao terceiro fiduciante pelo credor e não estará o devedor desobrigado quanto ao pagamento de eventual saldo devedor remanescente.


NOTAS: (1) Advogado graduado pela Universidade de São Paulo (USP). Pós-graduado em Direito Imobiliário e Direito Registral e Notarial. Coordenador Jurídico de Contratos Imobiliários da Caixa Econômica Federal.
(2) Silva, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, 3.ed., pg. 361
(3) Silva, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, 3.ed., pg. 367
(4) Lei nº 9.514/1997, art. 17, IV.
(5) Lei nº10.931/2004, art. 51.
(6) Lei 4.595/1964, art. 35.
(7) Chalhub, Melhin Namen. Alienação Fiduciária, Incorporação Imobiliária e Mercado de Capitais – Estudos e Pareceres. Rio de Janeiro: Renovar, 2012. p.15
(8) Idem, p.14

sexta-feira, 15 de abril de 2016

PRESIDENTE DA OAB/SP NOMEIA NOVA COMPOSIÇÃO DA COMISSÃO DE DIREITO NOTARIAL E REGISTROS PÚBLICOS PARA O TRIÊNIO 2016/2019


Ofício de nomeação do Advogado Mauro Antônio Rocha para a "Comissão Especial de Direito Notarial e Registros Públicos", da OAB/SP, triênio 2016/2018.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL. REPERCUSSÕES DA CONSTITUIÇÃO DA PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA NA LOCAÇÃO DO IMÓVEL PERANTE O REGISTRO DE IMÓVEIS.


Mauro Antônio Rocha (1)


Do contrato de alienação fiduciária decorre a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel da coisa imóvel (art.22, da Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997) e a consequência primeira e fundamental resultante da constituição da propriedade fiduciária é o desdobramento da posse, tornando-se o fiduciante possuidor direto e o fiduciário possuidor indireto da coisa imóvel (art. 23, § único).

Dessa forma, com o registro da alienação fiduciária no competente Ofício de Registro, a propriedade é transferida ao fiduciário, com o escopo de garantia, juntamente com a posse indireta do imóvel, permanecendo o fiduciante, na posse direta, assegurada, enquanto adimplente, a livre utilização, por sua conta e risco, do imóvel objeto da alienação fiduciária (art. 24, V).

A transferência da propriedade ao fiduciário, por seu caráter resolúvel, não modifica os termos, prazos e condições da locação do imóvel anteriormente contratada, permanecendo o fiduciante na condição de locador por conta dos direitos de uso e fruição legalmente assegurados. Da mesma forma, a qualidade de possuidor direto confere legitimidade ao fiduciante para contratar a locação do imóvel a terceiros, a qualquer tempo, independentemente da concordância do fiduciário.

Nesse sentido, leciona Chalhub: é que o fiduciante (que, em geral, é o devedor na alienação fiduciária) tem legitimidade para alugar porque está investido no direito de uso e fruição do bem, do mesmo modo que o usufrutuário e o fiduciário (no fideicomisso), enquanto, ao contrário, o credor fiduciário não tem legitimidade para alugar porque não é o titular do direito de uso e fruição.(2)

É que, a rigor, a locação do imóvel alienado fiduciariamente só repercutirá em relação ao contrato de alienação fiduciária caso ocorra o inadimplemento das obrigações pelo devedor e a consequente consolidação da propriedade em nome do fiduciário.

A Lei nº 9.514/1997, trata da locação do bem alienado em garantia nos arts. 27, § 7º e 37–B cujos dispositivos tem a pretensão de proteger os interesses do fiduciário e conferir agilidade à realização da garantia.

Assim, o § único do art. 27 assegura ao proprietário o direito à denúncia da locação no prazo de noventa dias, contados da averbação da consolidação da propriedade no fiduciário, para a desocupação do imóvel pelo locatário em trinta dias.

De outro lado, o art. 37 – B dispõe ser ineficaz, com a consequência de não produzir qualquer efeito perante o fiduciário ou seus sucessores, tanto a contratação quanto a prorrogação de locação por prazo superior a um ano sem a concordância por escrito do fiduciário.

É possível destacar na locação – para efeitos meramente expositivos – as seguintes situações, com consequências e repercussões contratuais próprias:

3.1 O primeiro destaque diz respeito ao contrato de locação existente e vigente no momento da constituição da propriedade fiduciária.

Nesta hipótese a alienação fiduciária não provocará repercussão imediata em relação à locação, presumidamente conhecida pelo fiduciário que deverá respeitar os termos, prazos e condições contratadas.

O contrato de locação poderá ser prorrogado por qualquer prazo, porém, quando superior a doze meses, a ausência de concordância expressa o tornará ineficaz perante o fiduciário ou seus sucessores. Da mesma forma, ocorrendo a consolidação da propriedade no fiduciário a repercussão em relação ao contrato de locação será imediata, assegurado ao agora proprietário pleno o direito de, no prazo de noventa dias da averbação, denunciar a locação para desocupação do imóvel pelo locatário em trinta dias.

Com relação ao contrato registrado no Ofício de Imóveis, no entanto, estarão o fiduciário, seu cessionário ou seus sucessores, inclusive o adquirente do imóvel em leilão público, obrigados a respeitar a locação, assegurado ao locatário de imóvel comercial o direito à renovação, nos termos da lei de inquilinato, mesmo no curso da alienação fiduciária.

Se o fiduciário que não quiser correr o risco da locação deverá propor, como condição ‘sine qua non’ para a realização do negócio, o cancelamento do registro da locação antes da constituição da garantia fiduciária, caso contrário submeter-se-á a todos os termos e prazos estipulados no contato de locação.(3)

3.2 O segundo destaque diz respeito à locação contratada após a constituição da propriedade fiduciária.

Conforme já informado acima, o fiduciante tem o direito de alugar o bem com ou sem a aquiescência do fiduciário, mas, a locação ou prorrogação com prazo superior a doze meses será ineficaz – em relação ao fiduciário – por força da lei, ainda que tenha sido registrado o contrato para efeito de vigência.

Aqui, na hipótese da consolidação da propriedade, o fiduciário poderá denunciar a locação, no prazo legal, para desocupação em trinta dias, salvo se houver concordado por escrito, situação em que estará obrigado a respeitar o contrato, independentemente do registro.

Note-se que, neste ponto, basta a aquiescência do fiduciário ao contrato para se exigir o respeito ao contrato de locação, enquanto pela regra geral da Lei do Inquilinato é necessária a presença de três requisitos, a saber, a existência de locação em curso, com prazo determinado, a existência de cláusula de vigência e a averbação dessa cláusula no Registro de Imóveis.

A Lei n° 10.931, de 02 de agosto de 2004, que alterou substancialmente a Lei n° 9.514/1997, dispôs sobre a inclusão de cláusula específica no contrato de alienação fiduciária relativa à denúncia da locação e ao prazo de desocupação do imóvel.

Assim, o § 7º, do art. 27, da Lei nº 9.514, ao cuidar da denúncia da locação e da aquiescência do fiduciário, determinou que deverá essa condição constar expressamente em cláusula contratual específica, destacando-se das demais por sua apresentação gráfica.

A exigência legal – pela dubiedade do substantivo condição – pode se referir tanto à transcrição literal, em forma clausular, do texto de introdução do parágrafo (se o imóvel estiver locado, a locação poderá ser denunciada com o prazo de trinta dias para desocupação, salvo se tiver havido aquiescência do fiduciário, devendo a denúncia ser realizada no prazo de noventa dias a contar da data da consolidação da propriedade no fiduciário), quanto à uma possível cláusula informativa da existência, prazos e condições da locação vigente.

Da mesma forma, o § único do art. 32 da Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991 (lei do inquilinato) dispõe, com a redação dada pela Lei nº 10.931/2004, que nos contratos firmados a partir de 1º de outubro de 2001, o direito de preferência de que trata este artigo não alcançará também os casos de constituição da propriedade fiduciária e de perda da propriedade ou venda por quaisquer formas de realização da garantia, inclusive leilão extrajudicial, devendo essa condição constar expressamente em cláusula contratual específica, destacando-se das demais por sua apresentação gráfica.

Também aqui, o vocábulo condição pode se referir à transcrição literal da introdução do parágrafo, ou, como parece mais provável, a uma cláusula específica que informe estar o imóvel alienado fiduciariamente, não sendo aplicável o direito de preferência à locação contratada.

Em que pese a relativa simplicidade das disposições legais aplicáveis ao assunto, contratos de locação têm sido recusados por excesso de zelo de alguns registradores e considerados inaptos para registro por faltar a cláusula específica acima referida ou pela ausência de concordância expressa do fiduciário.

Alegam que a cláusula específica de que trata o § único do art. 32 da Lei nº 8.245 é obrigatória e que sua ausência invalida o contrato de locação apresentado a registro. No entanto, consideram satisfeita a exigência com a simples transcrição da norma legal no corpo contratual.

Ora, o direito de preferência não alcançará o imóvel objeto do contrato – enquanto vigente a alienação fiduciária – independentemente da existência da referida cláusula, tornando essa exigência despicienda, não se admitindo sequer a alegação de possível prejuízo ao locatário, uma vez que ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece (art. 3º do Decreto-Lei n° 4.657, de 04 de setembro de 1942).

Ao final, ocorrendo a consolidação da propriedade, poderá a locatária adquirir o imóvel em leilão, em igualdade de condições com os demais interessados, pagando o melhor preço.

Muito mais desconcertante, no entanto, é a negativa de registro baseada na ausência de concordância do fiduciário no contrato de locação ou de prorrogação por prazo superior a doze meses.

Não há, sequer, fundamento legal que justifique a exigência do registrador. Com efeito, a lei não exige a concordância por escrito do fiduciário. Basta ver que o art. 37–B da Lei nº 9.514 apenas declara ineficaz, e sem qualquer efeito perante o fiduciário ou seus sucessores, a contratação ou a prorrogação de locação de imóvel alienado fiduciariamente por prazo superior a um ano. O que a lei declara ineficaz perante o fiduciário ou seus sucessores será, evidentemente, válido e eficaz em relação a quaisquer outros terceiros.

No entanto, recentes decisões do Conselho Superior de Magistratura (4) e da Vara de Registros Públicos da Capital de São Paulo (5) têm ratificado o entendimento desacertado dos registradores, com argumentos que, com o devido respeito, nos parecem equivocados.

Por primeiro porque, como já dito anteriormente, a lei não exige anuência do fiduciário para a locação do imóvel. Ademais, a hipotética negativa de aquiescência poderá ser suprida judicialmente e, se injustificada, configurará ato ilícito (arts. 186 e seguintes do Código Civil) ficando o fiduciário obrigado a repará-lo (art. 927) mediante o pagamento de indenização compatível com a extensão do dano (art. 944).

Por segundo, porque a anuência do credor fiduciário não é elemento de existência nem requisito de validade do contrato de locação, o qual existe, é válido e eficaz entre locador e locatário. Feito o registro desse contrato será também eficaz em relação a terceiros, com exceção do credor fiduciário e sucessores, por não haver anuência escrita respectiva. (6)

A alienação fiduciária que foi introduzida na legislação brasileira com o intuito de simplificar e agilizar a concessão de crédito e a realização das garantias nos casos de inadimplemento contratual do fiduciante não pode ser invocada para prejudicar, retardar ou impedir a contratação de outros negócios jurídicos correlatos e intermediários, mas igualmente importantes para o crescimento econômico do país. Exigências registrais descabidas e decisões administrativas infundadas ferem de morte os objetivos da lei.



NOTAS

(1) O autor é advogado graduado pela Universidade de São Paulo (USP). Pós-graduado em Direito Imobiliário e Direito Registral e Notarial. Coordenador Jurídico de Contratos Imobiliários da Caixa Econômica Federal.
(2) Chalhub, Melhin Namem. Alienação Fiduciária, Incorporação Imobiliária e Mercado de Capitais – Estudos e Pareceres. Rio de Janeiro: Renovar, 2012, p. 25.
(3) Dantzger, Afrânio Carlos Camargo. Alienação Fiduciária de Bens Imóveis. São Paulo: Método, 3 ed., 2010.
(4) Chalhub, Melhin Namem. Ob. Cit. p. 27.
(5) CSM – Apelação nº 0065836-57.2013.8.26.0100, DJE/SP 08/10/2014
(6) 1VRSP – Processo nº 1104526-70.2015.8.26.0100 e 1VRSP – Processo nº 1104533-62.2015.8.26.0100, DJE/SP 16/11/2015
(7) Declaração de voto divergente. Des. Ricardo Anafe – Presidente da Seção de Direito Privado. Apelação nº 0065836-57.2013.8.26.0100, DJE/SP 08/10/2014

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL. QUESTÕES ATUAIS.


Mauro Antônio Rocha (1)


A alienação fiduciária de coisa imóvel ingressou no ordenamento jurídico pátrio por meio da Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997, passou a ser praticada pelas instituições financeiras em 2002 nos financiamentos imobiliários e foi adotada como o principal instrumento para a garantia de empréstimos e financiamentos em geral a partir da promulgação da Lei nº 10.931, de 02 de agosto de 2004, que desatou alguns nós da lei de regência e estendeu sua utilização para as demais operações financeiras.

Nos quase vinte anos de existência da lei – ou quinze anos de efetiva aplicação – a alienação fiduciária de coisa imóvel navegou nas águas serenas da estabilidade econômica, situação de pleno emprego e reajustes reais de salários sem ter sido submetida ao necessário teste de estresse que pudesse revelar suas deficiências e defeitos. Nesse período, foram firmados milhões de contratos de crédito com garantia fiduciária, dos quais parcela proporcionalmente irrelevante foi levado à execução extrajudicial por inadimplência – para consolidação da propriedade em nome do credor – e um número reduzido de conflitos foram judiciarizados.

Mudanças no humor político e econômico no país, no entanto, sugerem o recrudescimento da inadimplência contratual, com o agravamento do quadro de cobrança forçada das dívidas e, consequentemente, da reação judicial dos devedores e fiduciantes.

Ocorre que por conta da quietação e calmaria dos tempos bons os estudos sobre o instituto ficaram limitados à simplicidade dos procedimentos legais de concessão do crédito, quitação da dívida, consolidação da propriedade e execução extrajudicial do débito, de forma que os operadores do direito envolvidos parecem despreparados para compreender os atalhos e desvios que começam a surgir, assim como, os registradores de imóveis parecem dispostos a acumular exigências imprecisas e desnecessárias, que às vezes são atendidas pelos implicados com adaptações contratuais estapafúrdias e outras vezes contestadas com argumentos despropositados e descolados da lógica jurídica do instituto para, finalmente, serem levadas ao Judiciário na forma de ações, dúvidas ou pedidos de providências mal formulados, onde são examinadas burocraticamente e provocam decisões que não atendem aos interesses das partes e ao desejo de preservação jurídica desse indispensável instrumento de garantia dos créditos.


Exemplo disso é a reiterada negativa de cancelamento da averbação de consolidação de propriedade, a requerimento formal das partes, após a quitação da dívida pelo devedor decorrido o prazo legal para a purgação de mora, porque, no entender de alguns oficiais de registro, o art. 27 da Lei nº 9.514/97 é norma cogente que determina a realização de leilão público para a venda de imóvel objeto de consolidação da propriedade por conta do inadimplemento contratual e, portanto, essa obrigação não pode ser afastada para atender aos interesses das partes.

Ora, a lei admite o cancelamento do registro da compra e venda, da alienação fiduciária em garantia, da arrematação ou adjudicação em hasta pública (art. 250 da Lei nº 6.015/1973) e não há justificativa jurídica razoável para se negar o cancelamento da consolidação apenas e tão somente pela suposta cogência normativa ou pela natureza meramente declaratória da averbação. A simplicidade dos argumentos denegatórios contrasta com a relevância material e ideológica do bem jurídico tratado.

Mais atrapalha do que ajuda a existência de confusos precedentes do Superior Tribunal de Justiça que admitem o recebimento do crédito e a liquidação da dívida, sem determinar o cancelamento da consolidação da propriedade, deixando subentendida a necessidade de realização de um novo negócio jurídico que, a rigor, independeria de qualquer autorização judicial.

Nada impede, a nosso ver, o cancelamento da averbação de consolidação, retornando a titularidade do imóvel a situação anterior, restabelecendo-se, se for o caso, a alienação fiduciária e possibilitando ao devedor a manutenção do bem da vida e ao credor que proceda à quitação da dívida ou que retome o curso do contrato, como medida de justiça, que atende ao direito constitucional à moradia e aos princípios de celeridade e economia processual.


sábado, 26 de dezembro de 2015

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL. ASPECTOS REGISTRAIS DO ADITAMENTO, DA RENEGOCIAÇÃO E DA NOVAÇÃO DE DÍVIDA NAS OPERAÇÕES DE CRÉDITO ROTATIVO.


Mauro Antônio Rocha (1)


Três decisões da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo que confirmaram a negativa de averbação de instrumentos aditivos contendo alterações das condições primárias de contratos de mútuo financeiro e outros negócios jurídicos, garantidos por alienação fiduciária de bem imóvel, estão sendo observadas com exagerado rigor pelos Oficiais de Registro de Imóveis que, sem a necessária consideração das peculiaridades de cada caso, transformaram-nas em barreiras intransponíveis, deixando inconclusos negócios jurídicos já contratados, além de obstar e prejudicar a contratação de outras inúmeras operações de crédito rotativo no mercado financeiro.

A primeira decisão (CGJSP 2013/146.225, rel. Des. José Roberto Nalini) cuida da desqualificação registral de aditamento contratual por – além de apontada nulidade decorrente da representação irregular dos devedores fiduciantes – documentar novo negócio jurídico, com inegável novação objetiva, com majoração da soma total devida pelos devedores fiduciantes, de cuja composição os débitos de duas quotas foram excluídos, pois extintas as obrigações condizentes, e os de duas outras participam, o que demonstraria a extinção da obrigação original mediante a constituição de uma nova em seu lugar.

A segunda delas (CGJSP 2013/151.796, rel. Des. Elliot Akel) trata, igualmente, da desqualificação de título aditivo do qual sobressai a inclusão de uma nova quota consorcial ao contrato original, com a respectiva elevação da dívida, configurando a transformação da obrigação em sua essência e a modificação do objeto da obrigação, com o surgimento de nova dívida.
O terceiro processo (CGJSP 2015/31.763, rel. Des. Elliot Akel) – recurso de apelação interposto contra decisão administrativa – versa sobre pedido de devolução de emolumentos que teriam sido cobrados a maior pelo oficial de registro que, instado a averbar instrumento aditivo à cédula de crédito bancário – com a alteração de algumas condições relativas ao prazo de pagamento e taxas de juros, entendeu tratar-se de novação de dívida, razão pela qual cancelou os registros existentes e efetuou novos registros de garantia.
A r. decisão sustentou que a CGJ, em casos semelhantes, vem negando a averbação de aditamento de contrato de alienação fiduciária e, ao final, considerou corretos os atos praticados pelo registrador, necessários ao ingresso do título ao fólio real, bem como a cobrança dos respectivos emolumentos, sob a justificativa de que o título, independentemente de nominado como aditamento, representa novo negócio jurídico fiduciário, uma vez que altera forma de pagamento taxa de juros e condições de pagamento, caracterizando inegável novação.
Ainda que consideradas semelhantes, as diferenças entre as situações enfrentadas são translúcidas e a decisão proferida no mais recente processo, data máxima vênia, parece-nos equivocada, por, entre outras razões, se valer dos precedentes inaplicáveis, descontada a possibilidade da produção pelos interessados de instrumentos inadequados à operação.

Inicialmente, cabe rememorar que a novação não se presume e de acordo com o art. 361 do Código Civil, não havendo ânimo de novar, expresso ou tácito, mas inequívoco, a segunda obrigação confirma simplesmente a primeira.
Demais disso, a novação somente ocorre nas hipóteses previstas no art. 360 da Código Civil, quando o devedor contrai com o credor nova dívida para extinguir e substituir a anterior, quando novo devedor sucede ao antigo, ficando este quite com o credor ou, ainda, quando, em virtude obrigação nova, outro credor é substituído ao antigo, ficando o devedor quite com este.
Nos processos precedentes foram desqualificados títulos que, em diferentes graus, modificavam a essência das contratações originais, configurando-se em novos negócios jurídicos. No caso em comento, as alterações contratuais inseridas no título desqualificado pelo registrador se referiam exclusivamente a condições intrínsecas do negócio jurídico de mútuo e a decisão se limitou a considerar corretos os atos praticados – registros e cancelamentos de registros não requeridos – que violaram claramente o princípio da rogação e colocaram, vale dizer, em risco a segurança jurídica do credor.

O empréstimo bancário denominado “crédito rotativo” compreende a contratação de mútuo financeiro por meio do qual o credor estabelece o limite máximo disponível para saque integral ou parcial, no prazo e nas condições estipuladas para a operação.

Nessa modalidade, o crédito pré-aprovado pela instituição financeira, de acordo com a capacidade de pagamento e qualidade da garantia oferecida pelo devedor, permanecerá à disposição do mutuário para ser utilizado conforme suas necessidades, tendo por contrapartida o pagamento dos encargos contratuais proporcionais ao quantum e ao tempo de utilização dos recursos, com saldo variável e adequado à movimentação realizada pelo devedor, aproximando-se do limite mínimo quando utilizados os recursos disponíveis ou do limite máximo quando realizados pagamentos nas condições avençadas.

A contratação do crédito rotativo é formalizada por meio de contrato de mútuo em dinheiro ou de Cédula de Crédito Bancário (contrato principal) com cláusula de alienação fiduciária de imóvel em garantia (contrato acessório), ou, ainda, de Cédula de Crédito Bancário (contrato principal) em conjunto com o Termo de Constituição de Alienação Fiduciária de imóvel em garantia (contrato acessório).

Nos dois primeiros casos – contrato de mútuo ou cédula de crédito – todas as cláusulas, condições e termos relativos à transação financeira, além das cláusulas obrigatórias para a validade da alienação fiduciária de que tratam os arts. 24 e 27 da Lei n° 9.514/1997, estarão contidos em um único instrumento, enquanto que, no terceiro, estarão em instrumentos apartados, porém vinculados – agregando-se o termo de constituição de garantia à cédula de crédito.

Em qualquer dos casos, o contrato de alienação fiduciária em garantia é acessório e atrelado a um contrato principal, de empréstimo ou financiamento no qual se definirão os termos e condições da operação financeira.

sábado, 17 de outubro de 2015

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL. CONSIDERAÇÕES SOBRE A QUITAÇÃO MÚTUA OBRIGATÓRIA NAS OPERAÇÕES REALIZADAS FORA DO ÂMBITO DO FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO.


Mauro Antônio Rocha (1)

1. Da alienação fiduciária em geral.

A alienação fiduciária em garantia é um instituto jurídico conhecido desde o período clássico do Direito Romano, na figura da fidúcia cum creditore, que foi resgatado pelo Direito Brasileiro em meados do século passado e adaptado para atender às necessidades de uma sociedade de massas ainda incipiente, desordenada e necessitada de agilidade e dinamismo jurídico para seu desenvolvimento.

Apesar de ignorada pelo código civil de 1916 e ainda sem se afigurar como negócio jurídico contratual típico, a fidúcia sempre esteve presente no direito brasileiro, tendo sido regularmente utilizada como meio de concretização de negócios e garantias.

Nesse sentido, afirma Silva que deixando de ser negócio jurídico contratual típico, nem por isso ficou entre nós repudiado inteiramente. Filho órfão, e mesmo enjeitado, encontrou todavia abrigo em uma que outra manifestação esporádica. A doutrina o não desconhecia de todo, e os tribunais embora com certa relutância e alguma vacilação entenderam que não seria uma figura contratual contraria ao nosso sistema. (2)

Não por acaso, a garantia fiduciária surgiu no direito positivo brasileiro em 1965 – coincidentemente e ao mesmo tempo no projeto civilista do Código de Obrigações elaborado por Caio Mário Pereira da Silva e na Lei nº 4.728, proposta de uma nova ordem política para disciplinar os mercados financeiro e de capitais – num contexto de grande desenvolvimento econômico e de garantias reais (hipoteca, penhor e anticrese) insuficientes para a proteção dos recursos alocados para o financiamento da produção de bens de capital e da aquisição de bens de consumo.

Dispunha o derrogado artigo 66 da referida lei, que nas obrigações garantidas por alienação fiduciária de bem móvel, o credor tem o domínio da coisa alienada, até a liquidação da dívida garantida. E, concluía, no parágrafo segundo do mesmo artigo, que o instrumento de alienação fiduciária transfere o domínio da coisa alienada, independentemente da sua tradição, continuando o devedor a possuí-la em nome do adquirente, segundo as condições do contrato, e com as responsabilidades de depositário.

Desde então, com base na interpretação literal da norma, convencionou-se o uso dessa modalidade de garantia real apenas para os bens móveis de consumo e a algumas espécies de recebíveis financeiros.

Desse entendimento restritivo divergia Silva distinguindo os negócios jurídicos realizados ao amparo da lei especial daquelas outras transações por ela não abrangidas, de modo que, fora do mecanismo de execução regulamentado na Lei especial, a alienação fiduciária pode comportar a coisa imóvel, como a jurisprudência de nossos tribunais já admitia antes da Lei 4.728, admitindo a validade do contrato de alienação fiduciária de coisa imóvel, e validando o pactum fiduciae.(3)

2. Da alienação fiduciária de coisa imóvel.

Se, de fato, nunca houve vedação legal expressa à contratação dessa modalidade de garantia nas transações imobiliárias, a alienação fiduciária de coisa imóvel ingressou no ordenamento jurídico pátrio como uma das garantias admitidas para a realização de operações de financiamento imobiliário em geral (4) por meio da Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997, que detalhou – em capítulo próprio – suas generalidades, características jurídicas, âmbito de aplicação, bem como os procedimentos específicos e adequados de reconhecimento da quitação da dívida pelo fiduciário e da execução extrajudicial no caso de inadimplemento da obrigação pelo fiduciante.

Pelo caráter inicial de garantia aceitável no âmbito do Sistema de Financiamento Imobiliário – e por ter sido regulamentada na mesma lei que criou o sistema, durante algum tempo a aplicação da alienação fiduciária sobre bens imóveis ficou restrita exclusivamente às operações de financiamento imobiliário.

Foi somente a partir da Lei nº 10.931, em 02 de agosto de 2004, que as outras operações imobiliárias, assim como as obrigações em geral passaram a ser efetivamente garantidas, inclusive por terceiros, por cessão fiduciária de direitos creditórios decorrentes de contratos de alienação de imóveis, por caução de direitos creditórios ou aquisitivos decorrentes de contratos de venda ou promessa de venda de imóveis e por alienação fiduciária de coisa imóvel.(5)

terça-feira, 29 de setembro de 2015

NOTAS DE ATUALIZAÇÃO SOBRE O LUCRO IMOBILIÁRIO NA ALIENAÇÃO DE BENS IMÓVEIS E DIREITOS REAIS.


Mauro Antônio Rocha


1. A alienação de imóveis e outros direitos reais imobiliários que compõem o patrimônio da pessoa física pode gerar ganho de capital que estará sujeito à tributação do imposto sobre a renda – a que se convencionou chamar de imposto sobre o lucro imobiliário.

Recentemente, por meio da Medida Provisória nº 692/2015, a alíquota única de 15% (quinze por cento), que continua vigente até 31 de dezembro de 2015, foi alterada para o escalonamento da tributação por faixas de ganho obtido pelo contribuinte, passando a viger, a partir de 1º de janeiro de 2016, da seguinte forma:



É importante ressaltar que além da venda, considera-se alienação para os efeitos legais a permuta, desapropriação, dação em pagamento, outorga de procuração em causa própria, promessa de compra e venda, cessão de direitos ou promessa de cessão de direitos, adjudicação, transmissão ‘causa mortis’, doação, adiantamento de legítima, atribuição decorrente da dissolução conjugal ou de união estável etc.

Restam, portanto, pouco mais de três meses para a conclusão dos negócios jurídicos em andamento, bem como a efetivação das transmissões de bens ou direitos imobiliários – onerosas ou gratuitas – por conta de ajustes societários, sucessórios ou resultantes de ação de planejamento fiscal sem a incidência das novas alíquotas que, no limite, poderão dobrar o montante do imposto devido.

Parece-nos conveniente, portanto, atualizar as informações a respeito da apuração do custo de aquisição e do valor de alienação do bem ou direito, de forma a possibilitar o integral aproveitamento das reduções e isenções autorizadas na lei e mitigação de sua incidência pelos contribuintes. Inicialmente, cabe ressaltar que algumas transações que resultam na alienação de bens imóveis estão excluídas do campo de incidência do imposto, dispensando qualquer tipo de apuração de valores.

sábado, 29 de agosto de 2015

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL.
ALGUMAS NOTAS SOBRE A PURGAÇÃO DA MORA APÓS A CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE EM NOME DO CREDOR.


Mauro Antônio Rocha (1)

Em sentença prolatada nos autos de pedido de providências (2) a MM. Juíza de Direito da 1ª Vara de Registros Públicos da Comarca da Capital de São Paulo julgou válido o termo de quitação da dívida emitido pelo fiduciário por conta de acordo entabulado entre as partes no período que permeia a consolidação da propriedade e a realização dos leilões de venda, “afastando o entendimento de que o art. 24 (sic) da Lei nº 9.514/97 é cogente quanto à obrigatoriedade de realização do leilão, sem possibilidade de quitação da dívida”; validou a purgação da mora do devedor após o decurso do prazo legal, fundada na aplicação subsidiária dos artigos 29 a 41 do Decreto-Lei nº 70/1966, conforme disposto no art. 39 da referida Lei º 9.514/97 e, ao mesmo tempo, decidiu pela impossibilidade do cancelamento da averbação que consolidou a propriedade imobiliária em nome do credor de financiamento com alienação fiduciária de garantia.

Do pedido formulado pelo Oficial de Registro de Imóveis depreende-se que houve a denegação do cancelamento de inscrições (registro e averbação) na matrícula imobiliária em razão da quitação da dívida pelo devedor, porque, no entender do Oficial, o art. 27 da Lei nº 9.514/97 determina a realização de leilão público para a venda de imóvel objeto de consolidação da propriedade por conta do inadimplemento contratual e, por se tratar de norma cogente, essa obrigação não pode ser afastada para atender aos interesses das partes.

Contrariado, manifestou-se o credor satisfeito para argumentar que “a quitação pode ser feita até a assinatura do auto de arrematação, devido à aplicação subsidiária do Decreto-Lei nº 70/66”, além de ponderar que, na condição de credor e proprietário do bem, aceitou o acordo realizado “que não trará prejuízo algum a terceiros”.

Em que pese o brilhantismo e o acerto final da r. sentença que julgou válido a purgação da mora e o termo de quitação correspondente, remanesce ao leitor atento alguma dificuldade para compreender sua extensão e sua aplicação prática.

Com efeito, há um aparente consenso doutrinário de que o pagamento integral da dívida e encargos opera a automática revogação da fidúcia, fazendo retornar a propriedade plena ao devedor fiduciante e conferindo ao termo de quitação efeito meramente declaratório.

Assim, salvo melhor juízo, o resultado objetivo da validação da purgação da mora e do termo de quitação emitido pelo fiduciário pela MM. Juíza será a confirmação da revogação da fidúcia e da correspondente consolidação da propriedade agora em nome do devedor fiduciário.

De outro lado e ao mesmo tempo, ao negar o cancelamento da consolidação anterior em nome do credor fiduciante a r. sentença ceifou a operacionalidade jurídica e registral de suas decisões anteriores.

Aliás, é lícito reconhecer que a mesma dificuldade perpassa os raros precedentes firmados no Superior Tribunal de Justiça.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

"INSTITUTO DE DESINFORMAÇÃO DO TRABALHADOR"


Observatório do FGTS

O extinto "Instituto" FGTS Fácil, atual "Instituto" Fundo Devido do Trabalhador, mudou o nome mas manteve o vício de distribuir notícias catastróficas sobre o FGTS e fornecer material bélico para que empresários avarentos, economistas mal intencionados e trabalhadores mal informados ataquem o maior e mais importante direito trabalhista ainda vigente: o direito ao reconhecimento do valor patrimonial do tempo de serviço dedicado pelo trabalhador aos seus empregadores, consubstanciado nas contas vinculadas do FGTS.

Ainda hoje jornais populares repercutem material daquele "instituto" com o tema: "FGTS teve perdas acima de R$ 35 bilhões em 2015".

Essa manchete remete o leitor mediano aos "petrolões", "mensalões", doleiros e políticos ladrões e indicam uma sangria das contas vinculadas dos trabalhadores, saqueadas por piratas e reduzidas a pó.

Somente quem se der ao trabalho de ler a notícia saberá que "as perdas" a que se referem a manchete decorrem, exclusivamente do confronto entre dois diferentes índices de correção do dinheiro: a TR, índice atual - determinado por lei e o INPC, índice pretendido pelas centrais sindicais e encampado pelo "instituto".

Diz a nota, publicada no jornal EXTRA, que "os cerca de 40 milhões de trabalhadores que têm conta do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) estão amargando perdas bilionárias com o uso da Taxa Referencial (TR), em vez do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), para corrigir os saldos. Segundo cálculos do Instituto Fundo Devido ao Trabalhador, no ano passado, pouco mais de R$ 35 bilhões deixaram de ser repassados para o FGTS. De agosto de 1999, quando foi feita a mudança no cálculo da correção, até janeiro deste ano, essa diferença ultrapassou os R$ 229 bilhões."

A informação é tão verdadeira e estúpida quanto afirmar que as perdas foram de R$ 50 bilhões na comparação dos índices da TR com a variação do dólar nos últimos meses ou de R$ 300 bilhões, se comparados aqueles índices com a valorização do passe do jogador Neymar Jr. nos últimos dez anos.

Essa forma de análise do FGTS praticada pelo indigitado "Instituto", sob o ponto de vista único da rentabilidade distorce os fatos e esconde enorme risco de prejuízo ao trabalhador que precisa ser esclarecido acerca da aplicação obrigatória dos recursos do Fundo em habitação, saneamento básico e infraestrutura urbana e – principalmente – de que eventual aumento em sua remuneração será automaticamente repassado aos próprios trabalhadores, diretamente – através da elevação dos custos de financiamento da casa própria e redução de subsídios, ou indiretamente, pela elevação da carga tributária.

O OBSERVATÓRIO DO FGTS pugna por melhor remuneração das contas vinculadas, mas entende que a manutenção do direito ao FGTS somente se justifica enquanto o fundo exercer sua função social de financiar a casa própria para as classes menos favorecidas. Cabe, portanto, aos seus gestores encontrar meios para a aplicação de parte de seus recursos no financiamento e exploração de atividades comprovadamente rentáveis, sem a transferência dos riscos e em favor de todos os trabalhadores, sem necessidade de consulta, autorização ou adesão individual, por excludente dos trabalhadores desinformados ou titulares de saldos irrelevantes.